A vida na pandemia, em quadrinhos
A quadrinista Helô D’Angelo fala sobre o lançamento da versão impressa da HQ “Isolamento”
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A quadrinista Helô D’Angelo fala sobre o lançamento da versão impressa da HQ “Isolamento”
Desde março de 2020 a quadrinista e ilustradora Helô D’Angelo provoca reflexões sobre a pandemia de covid-19 na webcomic Isolamento. Os personagens, inspirados nos vizinhos dela, ganharão nova plataforma em breve: um livro colorido de 200 páginas que será impresso via financiamento coletivo.
Nesta entrevista, Helô fala sobre os desafios de registrar em quadrinhos acontecimentos marcantes da maior crise sanitária da nossa época. Ela explica por que não vai mais ilustrar os recordes de mortes registrados no Brasil e analisa as recentes tentativas de silenciar expressões artísticas no país. Ela também fala sobre os fatos que mais gostou de abordar e adianta que muita coisa ainda vai acontecer com os moradores do prédio que criou.
A campanha de financiamento coletivo da HQ Isolamento começa hoje (01/04) no Catarse (catarse.me/isolamento) e fica no ar por 60 dias. O livro pode ser apoiado com a partir de R$ 30, embora o exemplar físico só possa ser adquirido com apoios a partir de R$ 60. O lançamento para o público em geral deve ocorrer em setembro.
Versão em desenho de Helo D’Angelo
A quadrinista Helo D’Angelo (Foto: Bia Moura)
Quando começou a pandemia, porque eu me mudei pro apartamento onde tô agora uma semana antes de começar o isolamento de fato. E esse apartamento é no primeiro andar de um prédio que fica no topo de um vale, num morrinho. Então, todas as falas, as gritarias, as brigas dos vizinhos, que eles falam pela janela, chegam pra mim muito alto. E eu escuto coisas muito pessoais.
No começo, eu ficava com muita raiva. Mas, para tentar lidar com isso e com a situação de pandemia, criei esse predinho, que na verdade é fictício, mas eu usei as histórias que ouvia dos meus vizinhos, adaptei e aí criei esses personagens do predinho. Foi uma livre adaptação inspirada nessas histórias que eu ouvia.
As primeiras semanas foram de bastante surpresas e angústias, coisas meio inesperadas e diferentes, então foi interessante no começo fazer esse trabalho. Na primeira temporada adiantei todos os 30 episódios, e aí fui publicando aos poucos. Para alguns deles, quando aconteciam coisas específicas, eu fazia um episódio extra – por isso que tem vários episódios extras.
Já na segunda temporada eu não consegui adiantar tanto os episódios, porque a realidade estava mudando muito e ainda tá, né? Toda semana acontecem coisas muito loucas, que a gente nem esperava. Então, eu meio que parei de adiantar os episódios e eu estou algumas semanas atrás da realidade, só pra não ficar muito em cima da hora.
As situações mais angustiantes de desenhar foram os quadrinhos que eu fiz pra marcar o número de mortos. Começou com 50 mil e a última que eu fiz, se eu não me engano, foi de 200 mil, talvez. Não, foi quando bateu o recorde de mortes por dia. E aí eu acho que vou parar de fazer esse registro porque não tá dando mais, eu fico muito mal e já quase não tem mais o que dizer.
Com certeza o mais difícil de todos foi o de recorde de mortes num dia, que até coloquei nenhum personagem falando, a única que tá falando é a Aninha, que é uma menininha, com o pai, falando “Nossa, eu achava que recorde era uma coisa só pra coisas boas”.
E a que me trouxe mais satisfação de desenhar foram duas: uma é a de São João, eu realmente gostei muito de desenhar, porque foi muito legal ver essa quadrilha vertical, me deixou muito feliz. Era uma época que as pessoas estavam respeitando um pouco mais a pandemia, tinha uma sensação de esperança de que as coisas vão melhorar e a gente vai melhorar juntos e tal, e eles fazerem essa quadrilha no prédio eu achei muito daora. E a outra foi quando a vacina saiu e eu fiz os personagens comemorando.
Eu vejo como “estamos falando a coisa certa, estamos indo pelo caminho certo”. Porque, se incomoda tanto, a ponto de as pessoas atacarem a gente, e sem argumentos, geralmente, eu imagino que a gente tá indo pelo caminho certo, né? Então, tento pensar um pouco isso pra não pirar com esse tipo de comentário, esse tipo de ataque, porque senão a gente não consegue continuar. Eu, pessoalmente, sempre sou alvo de ataques desse tipo, de xingamentos e tal. Particularmente com Isolamento eu não tive muito essa experiência, o que vi foi um outro lado que tenho achado bem legal, que é as pessoas tentando conversar mais, tentando dialogar. Mesmo quando rola uma briga vejo que é de um jeito mais bacana.
Eu recebo muitas (críticas), principalmente quando me posiciono de uma forma mais direta, principalmente quando falo de feminismo e direitos humanos em geral. Ultimamente não tenho recebido tanto hate assim, como falei, porque as minhas tirinhas não têm sido tão diretas e, às vezes, vejo que as pessoas que xingavam mais quando eu fazia coisas mais diretas não entendem muito bem, sabe? Ou elas entendem, mas, não sei, preferem não se posicionar.
Mas em outros quadrinhos eu recebo muitos xingamentos. Uma que foi muito marcante pra mim foi uma série de quadrinhos que fiz pra espalhar as propostas do [Fernando] Haddad nas eleições de 2018. Nossa, eu recebia todo tipo de ameaça e xingamento que você pode imaginar. E na época ficava muito mal com isso, queria responder todo mundo, queria xingar todo mundo, ficava puta, mas hoje em dia eu simplesmente agradeço a pessoa pelo engajamento. Quanto mais a pessoa comenta brava, mais eu agradeço.
Durante a campanha do Catarse, que começa no dia 1º de abril e dura 60 dias, eu tô querendo publicar dois capítulos por semana, e toda semana vai ter pelo menos um quadrinho extra que vai estar no livro e que vai ter uma historinha de algum dos personagens. Além disso, vai ter vários conteudozinhos extras, ilustrações e cenariozinhos e coisas assim. Mas da própria história mesmo ainda tem bastante coisa pra acontecer, muitas emoções vão rolar, pessoas vão pegar covid, teremos redenções, teremos novas vidas chegando, teremos novos relacionamentos, enfim, acho que podem esperar ainda muitas fofocas e reviravoltas.
Anne Ribeiro é jornalista, de Belém (PA). No perfil @pralerhq ela escreve sobre quadrinhos para debater política, questões de gênero e universo LGBT.
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