Aline Lemos: humor que nunca desaponta
Conversamos com a quadrinista mineira Aline Lemos, autora de “Artistas Brasileiras”, registro histórico, HQs LGBT, processo criativo e seu próximo livro, “Fogo Fato”
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Conversamos com a quadrinista mineira Aline Lemos, autora de “Artistas Brasileiras”, registro histórico, HQs LGBT, processo criativo e seu próximo livro, “Fogo Fato”
Com um trabalho que transita entre a fato e ficção e abrange vários gêneros, a quadrinista mineira Aline Lemos possui um traço marcante e humor que nunca desaponta. Mestre em História e autora de diversas zines (como Melindrosa, auto-publicada, e Lado Bê, pela Sapata Press), ela também participou de coletâneas como Melaço, A Zica, e Histórias Quentinhas Sobre Sair do Armário. Mais recentemente, teve seu livro Artistas Brasileiras lançado pela Editora Migulim e faz cartuns para o jornal Folha de S. Paulo.
A formação em História foi fundamental porque orientou a pesquisa e também foi um dos motivos pelos quais decidi fazer a série de biografias. Foi o primeiro projeto mais longo que resolvi fazer, então quis trabalhar com algo na minha zona de conforto. A pesquisa era algo que eu já estava acostumada a fazer e consistia em consultar artigos, livros e bancos de dados como os que alguns museus disponibilizam online.
O que é trabalho de historiador e eu não fiz foi consultar fontes primárias, quer dizer, da própria época estudada. Como o meu objetivo era só um panorama e precisava caber em uma página de quadrinhos, me apoiei em pesquisas já realizadas. A formação ajuda na hora de interpretar essas informações, ter senso crítico pra compará-las e elaborar uma narrativa que seja relevante.
Mas acho que o que mais fica no livro do meu aprendizado como historiadora é a transparência do meu ponto de vista e das fontes usadas, que estão todas listadas no final do livro.
Acho que a autobiografia foi muito importante pra mim quando comecei a fazer quadrinhos. Como eu estava em outra carreira, decidir me dedicar a isso profissionalmente foi um processo difícil e precisou de muito autoconhecimento e de um trabalho com a minha confiança. Compartilhar as minhas experiências fez parte desse processo. Eu tinha acabado de me perceber como bissexual e artista e trabalhei muito das minhas descobertas no processo criativo.
Fazer parte de uma comunidade de quadrinistas também foi muito bom. Percebi, por exemplo, que era muito comum entre artistas mulheres e LGBT o sentimento de não se ver representado na cultura, de sentir a carência de alguns debates no espaço público, e até mesmo de achar que nossas experiências não merecem ser compartilhadas. Então, falar sobre isso é importante. Coloquei muito das minhas experiências nos quadrinhos, mas nesse momento, estou tentando outras abordagens também, porque não gosto de me acomodar em um gênero só.
Com certeza. Por mais que seja um tema em evidência, com muitas produções interessantes saindo e uma resposta do mercado mainstream, a presença LGBT ainda está longe de ser normalizada como deveria. Precisamos que a cultura reflita a diversidade da nossa realidade.
Nos quadrinhos, desde criança me amarrava nos cartuns políticos. André Dahmer, Quino, Henfil, mas principalmente Laerte. Até hoje é uma das minhas artistas preferidas e me inspira a explorar o potencial dos quadrinhos. Também me impactou muito quando conheci artistas da minha geração, porque me ajudaram a ligar os pontos e perceber que eu também podia fazer quadrinhos. Gente como Ricardo Tokumoto, Lovelove6 e Laura Athayde, que estão fazendo coisas incríveis bem perto de mim.
O último baque que eu tive foi com Angola Janga, do Marcelo D’Salete, que misturou minhas paixões por história e quadrinhos de modo magistral. Também é bom pra lembrar que obras como essa levam tempo e paciência. Fora dos quadrinhos, gosto muito de ficção científica, literatura e arte de rua. Admiro muito o pixo e o grafite pela capacidade de colocarem a arte e o pensamento diretamente na vida da cidade. Espero conseguir levar essa vida pro meu trabalho também.
É muito diferente! Com a zine, pouco tempo separa o impulso criativo e o resultado material, às vezes até o momento da resposta do público. Esse resultado é sempre muito satisfatório, pelo menos pra mim, que gosto de concluir projetos e vê-los circulando. Um livro exige muito mais paciência, até porque não depende somente do artista, como no caso do zine. No caso do Artistas Brasileiras, envolveu editores da Miguilim, designers do Estúdio Guayabo, revisores, uma gráfica…
O processo de produção da HQ em si não foi tão desgastante, porque se tratava de uma série. Foi uma escolha intencional, eu sabia que manter o fôlego em uma história longa seria mais difícil. Estou enfrentando esse desafio agora com outro projeto, mas na época eu sabia que não daria conta. Então, ao longo de um ano, produzia as histórias curtas até reunir material suficiente para o livro, mas cada uma delas já estava de certa forma concluída. Quando o processo envolve a editora, existe um tempo para esse processo e o livro demorou mais um ano para ficar pronto. Demora, mas tem um resultado bacana, porque todas essas pessoas que mencionei colaboraram para o resultado.
O projeto novo se chama Fogo Fato, é uma história de fantasia urbana e ficção científica de 80 páginas que espero lançar até o final do ano! Estou trabalhando nele devagar, porque concilio com o trabalho do dia a dia, mas com muito carinho. Já publiquei alguns desenhos no Instagram e quando estiver mais perto de finalizar vou divulgar mais detalhes. Também continuo trabalhando com cartuns políticos e pretendo publicar com mais regularidade depois que finalizar o Fogo Fato.
O trabalho da Aline pode ser visto no Tumblr (http://desalineada.tumblr.com) e no Instagram @desalineada, e seus quadrinhos podem ser encontrados em sua lojinha: www.tanlup.com/desalineada.