Coletivos de artistas amazônidas
Em seu primeiro texto como colunista da Mina de HQ, Sâmela Hidalgo fala sobre coletivos femininos de artistas amazônidas para A.Már (M.A.R e MáTinta)
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Em seu primeiro texto como colunista da Mina de HQ, Sâmela Hidalgo fala sobre coletivos femininos de artistas amazônidas para A.Már (M.A.R e MáTinta)
Hoje me peguei pensando em casa e em como minha vida mudou completamente depois que decidi sair da dita selva amazônica para a selva de pedra atrás dos meus sonhos. É verdade que eu sempre estou pensando em casa e gritando a minha origem aos quatro ventos – tá aí algo que me orgulho de corpo e alma. Então, pra você que não me conhece, pode ser uma surpresa saber que eu, tal qual Diana Prince, sou uma Amazona no sentido mais literal da palavra. Pensando nisso, lembrei que não sou a única mulher nortista que encontrou na nona arte uma paixão irrefreável (e também não sou a única que sei usar essa palavra).
Os quadrinhos foram para mim uma grande descoberta que mudou completamente o rumo da minha vida. Era uma nova narrativa, um novo jeito de contar histórias, várias possibilidades emaranhadas em texto, imagem e cor. Isso me despertou essa sensação perpétua de conhecer mais sobre esse novo mundo, estudar mais, descobrir novos artistas e seus traços e obras.
E foi nessa onda de querer conhecer mais, navegando nessa grande rede mundial de computadores – mais conhecida como internet -, que me deparei com alguns grupos de mulheres que fazem quadrinhos. E que forma melhor de estrear essa coluna misturando meus dois mundos e apresentando a vocês esses coletivos de mulheres fantásticas para mostrar que tem arte amazônida sendo produzida – e muito bem produzida, diga-se de passagem.
E começo com esse coletivo que não se limita somente à quadrinistas. Aqui todo tipo de arte é bem-vinda seja ela ilustração, grafite, artes plásticas, game design, animação, tatuagem, fotos e lettering. Ufa! Quanta coisa boa em um lugar só. O M.AR. surgiu em 2018 com o objetivo de catalogar, fortalecer o cenário, trazer representatividade e aproximar as mulheres artistas de todo o estado do Pará. O grupo, hoje em dia, já conta com mais de 100 mulheres reunidas produzindo e contribuindo umas com as outras. E, vamos combinar, né? Também serve para indicar essas profissionais para eventos e trabalhos e fazer com que acabe a desculpa de “nós convidamos sim uma quadrinista para o nosso evento, mas ela não podia participar e não conhecíamos outra para colocar no lugar dela” (Sim, isso acontece muito! Vocês sabem do que eu estou falando).
Ah, o M.AR conta com muita arte envolvendo os povos indígenas e foca bastante nessa parte identitária cultural da Amazônia. Então, aqui tem artistas como a Vivi Menna, que é pesquisadora e produtora de conteúdo sobre povos tradicionais. Além de se aventurar nos rios paraenses navegando e seguindo o trajeto das festas populares e mapeando toda essa cultura em aquarela, ela ainda produz narrativas sobre a cultura ribeirinha.
Ou a artista indígena Moara Brasil, de origem Tupinambá de Boim, que trabalha com temas envolvendo Arte e Ancestralidade, criação artística por meio da espiritualidade e se aprofunda nas consequências que os processos violentos de colonização tem nos povos indígenas até hoje.
Podemos encontrar o imaginário cultural amazônico também nas artes da quadrinista e ilustradora Mandy Barros, que criou uma super heroína paraense plus size: a mulher graça. Ou ainda a ilustradora Gabriela Alves que também se baseia nas referências regionais do Pará em seus desenhos. E ainda dá pra falar sobre a artista visual Ty Silva que sempre procura exaltar sua cultura paraense através das cores e texturas e se inspira nos povos da floresta e na Mãe Natureza para dar identidade a sua arte.
As artistas Renata Segtowick, Éllie Rodrigues, Aquarius, Myt, Mama Quilla, Laura Figueiró, Carla Duncan, Juh Silva e Gaby Borges também fazem parte do coletivo e trabalham temas como sagrado feminino, feminismo, LGBTQI+, maternidade e muito mais.
Olha só quanta artista maravilhosa para acompanhar fazendo arte no Pará (leia com o agudo da Joelma – ex-Calypso).
O nome do coletivo você deve conhecer da criatura do folclore amazônico: Matinta Perera. Mas, caso você nunca tenha ouvido falar, deixe-me apresentá-la rapidamente: a Matinta é uma bruxa bem velha que anda de casa em casa em forma de um pássaro, piando sem parar no muro e no telhado até o pobre morador, com raiva, prometer a ela que dará fumo, peixe ou a famosa cachaça. Então, no dia seguinte, ela volta pra buscar o que lhe prometeram. Pronto! Agora já estão devidamente apresentados a essa figura lendária que ouço histórias desde que era criança.
Inspiradas nessa lenda, o Coletivo MáTinta foi criado em 2019 e abrange quadrinistas, ilustradoras, roteiristas, arte-finalistas, coloristas e designers. Hoje, o grupo conta com 30 integrantes – todas apaixonada pela arte de contar histórias e com dois zines do grupo publicados.
O MáTinta tem como objetivo acolher as mulheres cis e trans de Manaus que produzem ou têm interesse em começar a produzir quadrinhos, tirinhas e fanzines. Muitas vezes elas produzem juntas, um caso muito divertido é o chamado Telefone Sem Fio Ilustrado, onde cada uma desenha uma página da história colaborativa sem muitas informações e passa para a integrante a frente. No final, sempre acaba em algo engraçado e inusitado, fazendo a história tomar forma sozinha.
O coletivo também tem como meta formar leitoras mulheres e ocupar espaços e eventos artístiscos, fortalecer os laços entre as participantes e servir como ponte para a entrada de mais mulheres na produção de quadrinhos nacional, principalmente no Norte, sempre falando sobre a cultura amazônica e sobre ser mulher. Eu mesma me considero uma leitora MáTinter e tenho sempre as duas edições dos zines do coletivo como inspiração, já que o surgimento do grupo tinha como principal objetivo publicar uma coletânea independente para mostrar que a cidade tinha uma cena de mulheres quadrinistas.
As integrantes têm artes variadíssimas, indo de influências indígenas e caboclas até passando pelo mangá, como Auniverse, que usa bastante referência oriental em seus trabalhos e fanarts de animes. Ou Rayanne Cardoso, que fez uma série de fanarts do studio ghibli e também trabalha bastante com arte digital e até aquarela. E também Sarah Farias, que é ilustradora e professora de desenho e muitas vezes usa as cores forte com o auxílio do lápis de cor para expressar suas ideias. Não esquecendo também de Izabelle Nascimento, que faz ilustrações digitais e animações 2D e às vezes aposta em tirinhas de auto-reflexão, assim como a ilustradora Malu Menezes, que também utiliza a arte 2D e ainda arranja tempo na agenda para exercer a profissão de tatuadora. Haja energia pra acompanhar o ritmo dessas meninas, hein?
Também participam do MáTinta, as artistas Lorenna Souza, Ana Valente, Cecília Frazão, Ju Pereira, Ana Paula Atreides, Nathalia Sobrinho e muitas outras!
A Amazônia continua produzindo arte e eu tenho um orgulho imenso de ter minha cultura sendo representada por essas artistas incríveis!
Sâmela Hidalgo é manauara, assistente de edição de quadrinhos e assessora de imprensa da Editora Devir Brasil, podcaster no DFP e idealizadora do projeto Norte em Quadrinhos, que visa dar visibilidade para quadrinistas do Norte do país.
Siga: @samelahidalgo e @norteemquadrinhos
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