O punk de Coco Moodysson
Conversamos com a quadrinista sueca Coco Moodysson, autora da HQ autobiográfica “Boa noite jamais”, que será lançada no Brasil pela editora Hipotética
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Conversamos com a quadrinista sueca Coco Moodysson, autora da HQ autobiográfica “Boa noite jamais”, que será lançada no Brasil pela editora Hipotética
Quando pensamos em mulheres quadrinistas da Suécia, um nome que vem à cabeça é Liv Strömquist, autora de A origem do mundo, A rosa mais vermelha desabrocha e Na sala dos espelhos, HQs que fazem muito sucesso no Brasil. Bom, se é que pensamos em mulheres quadrinistas da Suécia, né? Mas a verdade é que neste país nórdico há uma cena bem interessante com mulheres fazendo ótimas HQs, como Loka Kanarp, Sara Granér e Coco Moodysson, que, junto com Liv, desponta no mercado internacional.
Nascida em Estocolmo em 1970, Coco faz histórias em quadrinhos de perfil autobiográfico desde 1998 sobre suas vivências na adolescência. Influenciada pelo universo musical do punk e do pós-punk, é autora, entre outros títulos, de I’m Your Fan Until Death, em que um grupo de amigos fãs de The Cure sonha em encontrar o vocalista da banda, Robert Smith. Hoje, vive na cidade de Malmö, onde fica Seriesskolan, uma das principais escolas de formação artística para a criação de histórias em quadrinhos dos países nórdicos – e onde estudaram todas essas artistas que citei acima.
Coco Moodysson e Liv Strömqvist (reprodução da internet)
Para a nossa sorte, Coco Moodysson será publicada no Brasil pela editora Hipotética, com a HQ autobiográfica Boa noite jamais, que serviu de inspiração para o filme We Are the Best! (2013), dirigido por Lukas Moodysson, no qual ela também trabalhou no roteiro. O livro mostra três amigas pré-adolescentes com diversas questões para lidar na família, na escola e na vida, mas que encontraram uma solução para encarar todos esses problemas: montar uma banda punk.
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Estocolmo era um bom lugar para crescer. Nossos pais estavam ocupados consigo mesmos, então eu e meus amigos tínhamos muita liberdade. Passamos muito tempo fora, mesmo no inverno. Brincávamos em telhados, em parques, resgatamos gatos abandonados e fizemos comida para nós mesmos quando nossos pais não estavam em casa. Cuidávamos uns dos outros. Havia uma cena punk vibrante, muitas bandas e shows todo fim de semana. Nós, pequenos punks, sempre ficávamos na frente e checávamos os passos de dança dos mais velhos e depois dançávamos igual. Nos vestimos como os caras que estavam no palco. Eu não ficava na expectativa de me tornar uma mulher adulta com seios e maquiagem. O ideal não era ser bonita e agradar os outros. A melhor coisa que poderia acontecer era alguém gritar: “caramba, você é feio” ao andar pela cidade. Punk era muito “faça você mesmo”. Isso me influenciou por toda a minha vida e me fez ousar tentar coisas sem ter grande conhecimento. Por exemplo, decidi começar a desenhar quadrinhos aos 28 anos. Se eu tiver que dizer algo negativo, o punk era muito dominado pelos homens. Mas não foi algo que refletimos na época. Não vimos isso como um obstáculo para seguir em frente e fazer o nosso trabalho. Só agora, olhando para trás, que penso como era isso.
Coco Moodysson (reprodução da internet)
Tudo começou comigo fazendo uma pequena história em quadrinhos para uma revista sueca sobre os namorados da minha mãe (ela teve muitos quando eu era criança). Quando escrevi o diálogo, imediatamente encontrei um tom, um estilo e um humor que pareciam certos. Então, eu sabia que queria fazer uma história mais longa ambientada no mesmo cenário, no mesmo período. Quando você acerta o diálogo e sabe como os personagens falam, tudo flui. Pesquisei muito, procurei em revistas antigas dos anos 80 como as pessoas se vestiam e como eram as embalagens dos alimentos. Me dediquei muito tempo nisso, estava meio obcecada com os detalhes. Demorou dois anos mais ou menos para terminar o livro. Desenhei tudo à mão em papel A3, então tinha muito preto para preencher, haha. Era como fazer o cachecol mais comprido do mundo. Cansei do projeto mil vezes antes de terminar. Mas também foi divertido. Os personagens inventaram coisas que eu não planejei.
Raramente penso em meus quadrinhos como autobiográficos, embora sejam. É apenas uma maneira de dizer o que me convém. Toda arte é mais ou menos autobiográfica. Mas muitas vezes eu invento, adiciono e subtraio. Muitas vezes acontece que eu desenho e conto sobre algo que NÃO experimentei ou fiz. Algum tempo depois, quando a história termina, o que eu contei vira realidade. Meio assustador… O que eu mais gosto nos quadrinhos é que você pode combinar um estilo de desenho fofo com um conteúdo bastante sombrio e sério. Gosto desse contraste.
“Toda arte é mais ou menos autobiográfica”
Agora eu não leio muitos quadrinhos. Na Suécia, é muito difícil encontrar coisas boas e especiais, a menos que você more em uma cidade grande. Sinto falta de entrar em uma livraria muito boa, navegar e escolher o que comprar. Eu só leio investigações de assassinato reais, que você pode solicitar ao tribunal distrital. Estou um pouco obcecada com isso, mas tentando parar. Agora na minha mesa está Blue Nights, de Joan Didion. É um livro que eu amo. Coleciono bonecas, figurinhas, cachorros e gatos de porcelana, livros infantis dos anos 50, o Moomintroll, coisas do Miyasaki. Coisas fofas! Eles me inspiram no desenho. Viajar de carro pela Suécia é a melhor coisa, o que mais me inspira. Casas, árvores, pequenas comunidades esquecidas. Pensar em como era um lugar cem anos atrás. Os integrantes da banda The Cure são super importantes para mim. Quando eles saem em turnê, fico na fila por 10 horas para ficar bem na frente do palco. Quando me apoio na grade, finjo que sou o maestro e eles são a minha orquestra. E aí sinto que posso viver dessa memória por vários anos.
Na Suécia, tem havido muito interesse em quadrinhos nos últimos anos, mas parece que esfriou um pouco. Mas você está perguntando para a pessoa errada. Moro em um vilarejo rural onde moram apenas quatro famílias cercadas por uma grande floresta. Quando não estou trabalhando, ando com meus três cachorros e compito em esportes caninos. O único lugar onde encontro quadrinhos é no Instagram, haha.
Se os quadrinhos podem fazer a diferença, ótimo. De minha parte, acho que se conseguir alcançar apenas dez pessoas e fazê-las se sentirem um pouco mais felizes, um pouco mais tranquilas e um pouco menos sozinhas, fico feliz.
Há um ano trabalho com arte pública em um hospital infantil. Ursinhos de pelúcia andando de skate, coelhinhos e gatos passeando. Grandes fotos coloridas e meio misteriosas que as pessoas olham antes de ir ao médico. É bom não ter que trabalhar com texto pela primeira vez. Mas isso acaba me deixando longe de trabalhar em meus quadrinhos. Espero em breve ter tempo para começar um novo livro. Acho que deveria ser sobre meus parentes. Aqueles que estão mortos há muito tempo.
Gabriela Borges é jornalista, curadora de conteúdo e mestra em antropologia. Em 2015, fundou a Mina de HQ, mídia multiplataforma independente e feminista sobre histórias em quadrinhos feitas por artistas mulheres, pessoas trans e não bináries. A MHQ se tornou referência em incentivo à leitura, curadoria crítica com foco em diversidade e gênero; foi finalista do Prêmio Jabuti, em 2022, e premiada por dois dos principais troféus de quadrinhos do Brasil, HQ MIX e Angelo Agostini. É autora do livro Encuentre su Clítoris (Marca de Fantasia), sobre mulheres nas historietas argentinas, e editora e co-organizadora da antologia Quadrinhos Queer (Skript).
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