Quadrinhos e resistência
Um papo com a quadrinista gaúcha Rita Juliane Tatim que usa os quadrinhos para combater o machismo e a refletir sobre a política no Brasil
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Um papo com a quadrinista gaúcha Rita Juliane Tatim que usa os quadrinhos para combater o machismo e a refletir sobre a política no Brasil
Se você acha que dominar técnicas de desenho é pré-requisito para fazer quadrinhos, vai se surpreender ao conhecer os personagens “de palitinho” da quadrinista Rita Juliane Tatim, de 28 anos. Incomodada com o machismo cotidiano, ela criou, em 2017, a série A fantástica aventura de ser mulher, usando as habilidades que tinha. “Eu não desenhava, ou melhor, não com a técnica de desenhista. O palitinho não foi uma escolha. A coisa começou quase acidentalmente e comunicou com as pessoas”, conta a gaúcha, que vive em Passo Fundo (a 288 Km de Porto Alegre).
Na série, ela narra situações vividas por mulheres que, de tão absurdas, podem até parecer ficção, mas a resposta do público mostra o contrário. A página no Facebook soma mais de 100 mil seguidores e seus quadrinhos já foram replicados em canais famosos como o Quebrando o Tabu e Empodere Duas Mulheres. “São histórias de humor sobre a rotina das mulheres diante dos obstáculos diários. Coisas que acontecem comigo ou com outras mulheres”, define a autora.
Além de abordar questões de gênero, Rita também tem uma produção intensa de quadrinhos que refletem sobre a situação do país. Como colaboradora assídua do Políticas – projeto que divulga quadrinhos políticos feitos por mulheres brasileiras, que coordeno junto com a quadrinista Thaïs Gualberto –, ela participou de um bate-papo na Sala Tatuí, no dia 18 de julho, para contar um pouco mais sobre esse arriscado trabalho. “Já recebi ameaças on-line, de que eu deveria ‘cuidar do que falava’”, conta.
Aproveitamos que Rita esteve em São Paulo para trocar uma ideia sobre sua história com os quadrinhos, referências e o uso dessa linguagem como ferramenta de resistência em tempos sombrios.
Por estarmos numa sociedade cercada pelo machismo estrutural. Não temos a escolha de enfrentar ou não. Ser mulher é enfrentar assédio e medo todos os dias e, ainda sim, continuar seguindo em frente.
Não sei se lido muito bem, sou bastante reservada. Na verdade, conto histórias e compartilho pensamentos através da personagem. Sempre fico feliz em ouvir as mulheres que fazem contato. As críticas e ataques, ignoro. Alguns comentários merecem uma atenção por refletirem discurso de ódio ou ameaça contra seguidoras ou a mim. Neste caso, não respondo, denuncio os comentários e perfis.
São muitas, nem sempre as leio. Masculinidade geralmente é frágil e pensar a equidade de gênero toca na ferida. Tem quem escolhe criticar o desenho chamando de traço pobre ou dizendo que não sei desenhar. Outros preferem ataques pessoais. As mais comuns são de que devo ser mal amada, mal “comida” ou ficam fazendo apostas de como devo ser fisicamente me descrevendo longe dos padrões deles.
Sim. Eu sempre gostei de quadrinhos, desde criança lia gibis infantis.
É difícil escolher um trabalho marcante com tanta gente boa publicando. “Bordados”, da Marjane Satrapi, foi um que me marcou pela estrutura narrativa e o mergulho na tradição para contar a história das mulheres.
Com tanta mulher talentosa e com boas narrativas fica difícil dizer uma. Tenho gostado muito dos quadrinhos da Motoka (Mayra Colares). Ela tem um jeito muito preciso e certeiro de comunicar.
Acho que o “timing”. Consigo tirar da cabeça para o papel muito rápido e a linguagem comunica com pessoas de todas as idades.
De não saber desenhar, não ter talento e alguns se sentem até íntimos o bastante para arriscar conselhos para eu parar de desenhar.
Diferente dos grandes centros, as pessoas se conhecem, sabem os lugares que outras frequentam, quem são os amigos e família. É complicado pela exposição pessoal. Algo que na medida do possível tento evitar.
Acho que todo quadrinho feito por mulher é político. Não nos contentarmos em apenas ler o que os homens escrevem, contarmos nossas histórias e reivindicar nosso espaço é um ato político. Já as políticas de estado sempre tentam se impor sobre nossas decisões individuais. Por isso e difícil criar história sem aproximar ou meter o pé de vez na política. Se somos sempre as primeiras a sentir com as decisões políticas, é seguro que sejamos as primeiras a manifestar nossa crítica.
Já. Infelizmente vivemos um extremismo, um momento de obscuridade do pensamento político. Ouvi que devia cuidar do que falava e recebi acusações de pertencer a um partido que nunca tive qualquer vínculo. É lamentável que se posicionar ao lado dos direitos humanos nos confira rótulos partidários.
Além de continuar com a “Fantástica Aventura de ser Mulher”, nada ainda muito maduro. O livro da série é um grande desejo, porém, sem data marcada.