Comunicação Não Violenta ilustrada
Resenha de “O Círculo – Conversando a gente se entende”, livro sobre CNV para crianças, escrito por Carolina Nalon e ilustrado por Lila Cruz
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Resenha de “O Círculo – Conversando a gente se entende”, livro sobre CNV para crianças, escrito por Carolina Nalon e ilustrado por Lila Cruz
A hora do recreio era a mais desejada e, ao mesmo tempo, a que eu mais temia. Naquele curto espaço de tempo, eu me esquivava da competição besta de algumas meninas da sala de aula e ia brincar e conversar com as minhas amigas. Uma delas se chama Camilla e nossa amizade começou aos oito anos. Teve um episódio, no entanto, que podia ter nos distanciado para sempre. Seguindo a “instrução” de outras meninas do grupo, fui escolhida para falar: “Camilla, não queremos mais que você ande com a gente no recreio”. Foi horrível. Eu estava dividida entre pertencer a um grupo ou ter apenas a Camilla de amiga. Passou um tempo para que eu tivesse coragem de pedir desculpas e mais um tempo para que ela me perdoasse. Mas, até isso acontecer, eu me restringi a esse grupo de amizades com o qual travei brigas, ciúmes, abusos verbais e psicológicos. Todos os dias, eu voltava pra casa chorando. Esse sentimento de querer ser aceita e de agradar os outros a qualquer custo ainda perdura.
Mas, depois de ler O Círculo – Conversando a gente se entende, comecei a pensar: o que eu posso fazer hoje quando estou diante de um conflito parecido? Lara, Martim, Teresa e Lucas também vivem conflitos de ciúmes e de aceitação na escola, mas eles aprendem a conversar sobre seus sentimentos para desatarem alguns nós. Este enredo, que agora faz parte da minha coleção de salva-vidas literários, foi escrito pela mediadora de conflitos, palestrante e especialista em Comunicação Não Violenta (CNV) Carolina Nalon, ilustrado por Lila Cruz, e lançado neste mês pela Editora Escarlate, do grupo Companhia das Letras. Cada página me faz recordar a criança medrosa que um dia eu fui, louca para ser aceita por todos. E cada personagem do livro O Círculo me chama pra entrar na roda de conversas conduzida com afeto pela professora Gabi. Afinal, é conversando que a gente se entende… e, quanto antes desenvolvermos essa ferramenta, mais equilibradas e justas serão as relações que cultivamos ao longo da vida.
Eu faço treinamento de Comunicação Não Violenta há quase dez anos e é bem comum, no final do treinamento, alguém dizer: “Nossa, como eu queria ter aprendido isso quando era criança”, ou “Como eu queria ter aprendido isso quando estava na escola”. E, de fato, a gente é super cobrado em saber lidar com conflitos, sejam eles profissionais ou pessoais, quando a gente cresce, mas a gente não aprende isso. Não tem um momento de aprendizado de como lidar melhor com os conflitos ou como fazer uma mediação. E a gente está envolvido com isso o tempo todo. Por conta disso, resolvi fazer meu primeiro livro voltado para esse público.
Comecei a pesquisar quais eram os motivos de conflitos entre as crianças, porque o adulto costuma minimizar os conflitos das crianças, como se não fossem importantes. Aí, eu vi que acontece toda uma dinâmica social nessa etapa da vida que é a base da formação da personalidade, da autoconfiança, do senso de compaixão que a criança tem. Na infância, elas já começam a ter disputas de status de poder, de ciúmes dos amigos… Elas fazem provocações umas com as outras, com base na identidade de cada um, e isso fere ou estimula a autoestima. Então, são coisas muito complexas, mas que a gente não olha com o devido carinho. Então, eu acho que é tão importante falar de CNV com as crianças quanto é falar com os adultos. É claro que cada faixa etária vai ter a possibilidade de absorver determinado tipo de conteúdo. Mas, de maneira geral, a alfabetização emocional pode começar enquanto eles são pequeninos. A gente não costuma ter muito vocabulário emocional. A gente só fala: “Estou bem, estou mal, estou feliz, estou triste”. Só que existem vários sentimentos e, se a gente for educado para entender as diferenças entre eles e compreender que cada sentimento é sinal de algo que é importante para nós, de uma necessidade não atendida, eu acho que isso faz toda diferença na nossa convivência.
Uma vez eu ouvi essa frase em algum lugar, mas não lembro de quem é: “Tudo que precisava ser dito já foi dito, mas como ninguém estava escutando é preciso dizer de novo”. Acho que com esse livro eu quero trazer de novo a ideia de que colocar a compaixão em prática na convivência humana é uma das coisas mais potentes, lindas e prazerosas que a gente pode fazer. Porque ter bons relacionamentos é o que dá sentido para nossa vida. Então, eu quero, de alguma maneira, a partir de uma linguagem simples, conseguir inspirar crianças, e também adultos, a terem melhores conversas. Eu e minha família fazemos círculos quando sentimos que é preciso. E é como se houvesse um emaranhado de coisas mal resolvidas que, quando a gente conversa, traz uma sensação de alívio. Por isso, eu gostaria muito que os leitores realmente fizessem e praticassem esses círculos e fossem pegando o gosto bom que é ter essa sensação de: “A partir de uma conversa eu, que estava num lugar, cheia de coisa na cabeça, ganhei uma compreensão maior das coisas. Confiar que as conversas, o diálogo, podem levar a gente para esse lugar.
Eu não conhecia Comunicação Não Violenta, nem o conceito e o modo como foi abordado no livro. E achei bastante interessante porque é uma perspectiva sobre a qual eu nunca tinha pensado. Esse modo de lidar com conflitos, especialmente entre crianças, eu nunca tinha pensado antes. Então, é uma coisa que vai ficar na minha mente por muito tempo. Despertou minha curiosidade, com certeza.
Foi muito interessante porque eu tive uma reunião com a equipe de arte da Companhia das Letras, e aí, me explicaram qual era a proposta do livro. Falaram sobre as dificuldades de mesclar texto com imagem, porque tinha partes que era preciso ter espaço para mais texto. Aí, eu fui pensando que a gente poderia usar quatro linguagens: o lettering, a ilustração, a história em quadrinhos e o texto para que o processo ficasse bem dinâmico. E para mim funciona meio assim: a partir do momento em que eu penso num projeto, ele vai se desenhando na minha cabeça, depois, eu vou tentando traduzir isso no papel até chegar no lugar que eu quero. Então, nesse processo com a Ellen Nakao, que foi uma pessoa incrível com quem eu trabalhei nesse livro também, a gente foi montando bloco por bloco até chegar num lugar que a gente queria com a estética do livro e a linguagem.
Uma das coisas importantes para mim na hora de criar os personagens foi não dar cores específicas. Ou seja, escolher cores que não fossem óbvias, assim as pessoas não poderiam emitir juízo de valor a respeito da criança. Então, uma criança é verde, a outra é roxa, uma terceira é rosa… A segunda coisa que pensei foi que as crianças tinham que ser bem expressivas, que elas tinham que ter um gestual muito aflorado porque é um livro que fica todo em volta do diálogo, então, eu pensei no fato que o diálogo também envolve gestos, posições do corpo. Então, os personagens são muito expressivos quando estão chateados, felizes ou brincando. Além disso, pensei em não estereotipar o menino que inicia o conflito porque ele tem as próprias questões, ele tem seus problemas para resolver através do diálogo que você vai descobrindo ao longo do livro. Portanto, era importante não estereotipar nem criar vilões.
Meu personagem favorito é a Teresa porque ela é muito expressiva e emotiva e eu gosto do fato de que ela leva tudo muito a sério, ela defende a amiga, ela é uma criança muito emocionada, eu diria.
Eu não sei como teria sido porque sou autista, e os conflitos sempre eram “resolvidos” com meltdown/briga ou quando eu saia correndo (risos). Acho que se eu soubesse que era autista na época e tivesse acesso a CNV, talvez sim.
Maria Júlia Lledó é jornalista, redatora e editora da Revista E – Sesc São Paulo, gosta de compartilhar suas impressões (e sensações) sobre HQs.
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