Viver Dói?Fabiane Langona responde
Uma das convidadas especiais da edição comemorativa de 10 anos de CCXP, Fabiane Langona participa de entrevista e lança coletânea de tiras pela editora Brasa.
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Uma das convidadas especiais da edição comemorativa de 10 anos de CCXP, Fabiane Langona participa de entrevista e lança coletânea de tiras pela editora Brasa.
A Fabiane Langona sempre foi conhecida por sua irreverência ao abordar temas que, ainda hoje, são considerados tabu. Cartunista e chargista, suas tiras podem ser conferidas na Folha de São Paulo e agora também em uma coletânea lançada pela Brasa Editora.
Por sua experiência e produção, ela é uma das convidadas da 10ª edição da CCXP, onde participa de painéis e lança sua nova HQ. Por isso, que como grande fã do trabalho dela, foi um grande prazer poder bater um papo que compartilho aqui com você:
Comecei a desenhar o que não lia. E penso que foi essa ausência que naturalmente serviu de gatilho.
1.Fabi, são quantos anos de carreira como chargista e há quanto tempo publicando na Folha?
Meio difícil eleger um marco zero, mas em média uns 20. Entre idas e vindas, publico na Folha desde 2007.
2.Seu traço é inconfundível. Como foi a recepção no começo e o que mudou em relação à essa recepção ao longo dos anos?
Era um sentimento estranho, comecei a publicar em uma época em que me sentia completamente sozinha e isolada como cartunista, no sentido de ser uma mulher trazendo questões que ainda não eram tão discutidas, principalmente papéis de gênero, sexualidade feminina, a misoginia nas relações.
Ao passo que também tentava negar a obrigatoriedade de tratar desses temas. Sempre quis ser livre, falar sobre o que quisesse.
Comecei a desenhar o que não lia. E penso que foi essa ausência que naturalmente serviu de gatilho.
Depois de muitos anos, peguei Meu primeiro livro, “Uma patada com carinho”, de 2012, que ganhou um HQ Mix aquele ano. Percebi que ele é um ensaio sobre questões que eu e a sociedade de forma geral viria a amadurecer logo depois, elevar o debate.
Meu traço sempre foi meio indócil, outro fato que causava um certo estranhamento, tanto que quando comecei a publicar, achavam que eu era um homem disfarçado. Afinal, “como pode uma mulher desenhar esse tipo de coisa? Sexual, escatológica, debochada?”. Hoje entendo tudo isso como uma violência imensa. Parte da cultura do descrédito e inadequação que muitas mulheres enfrentam diariamente.
3. Já deixou de se identificar com seu trabalho e teve vontade de mudar totalmente o traço, os temas?
Acredito que nunca. Mas posso dizer que é estranho se desenvolver como ser humano produzindo desde sempre, praticamente. Tenho uma autocrítica meio elevada, e era difícil olhar de forma terna pra trabalhos mais antigos.
Encontrei um quadrinho meu de criança nos meus pais, e fiquei comovida com o fato de como eu já era eu. Já tava tudo lá, pronto. Fiquei impressionada. A partir disso consegui ter mais respeito pelo que fiz até hoje, mesmo que não me orgulhe muito ou olhe torto pra algumas coisas. Faz parte da jornada, das circunstancias pessoais, sociais, políticas. Das mudanças, de estar viva.
Mudar o traço assim, como uma escolha? conscientemente é impossível. Analisando em uma espécie de linha do tempo, meu traço mudou muito sem que eu percebesse. Mas Isso acontece naturalmente com todos artistas, penso eu.
Mas me divirto muito ao observar as fases de cada época. Época que desenhava mãos com 3 dedos, ou que tava viciada em um tipo especifico de nariz, ou olhos. Percebi que de uns tempos pra cá ando meio obcecada em desenhar personagens de perfil e com um lábio inferior meio preenchimento labial. Não sei onde isso começou nem quando, reparei faz pouco e ri sozinha.
Um subterfúgio, e onde me solto mais por questões de lazer, é pintando ou esculpindo pequenos objetos.
Acredito que tudo que eu produzo tem um clima meio transtornado, num sentido positivo, aquela coisa meio que ri, meio que chora. Meio que agride, mas que afaga.
Sobre os temas, tudo que for sincero, que gritar por dentro. Não tenho pretensão de falar sobre tudo. Nem sempre quero por energia em temas difíceis e dolorosos. Desenhando, eu sofro junto. As vezes quero apenas desenhar um gato enroladinho. Obviamente sim, o papel da arte é refletir o seu tempo, mas seguir pautas por comportamento de manada ou busca por aprovação, vejo como a morte do artista.
4. Quanto aos temas mais abordados em seu trabalho, qual seria o mais recorrente atualmente?
Acho que por agora o universo das relações de trabalho e maternidade.
Dizem que eu sou igual o meu desenho
5. Como o humor retratado no seu trabalho reflete sua personalidade? As pessoas que convivem com você enxergam essa mesma acidez e ironia na forma como você se expressa?
Dizem que eu sou igual o meu desenho. Credo. Se isso é um elogio ou uma crítica negativa, não sei.
Fica a questão.
6. Que emoção é mais presente quando você desenha? Diria que seu processo é mais catártico pq você precisa expressar o que sente ou ele vem de uma necessidade de chamar a atenção para temas que você julga importantes?
Nada é sempre igual, metódico. Ambos. Tipo aquela máxima do “um pouco de droga, um pouco de salada”. Um pouco de truculência, um pouco de carinho. Um pouco de Brutal death methal, um pouco de Bossa nova.
7. Qual é o papel do humor em um contexto tão complicado como o atual?
“This machine kills fascists”, era a mensagem colada no violão do Woodie Guthrie.
Apesar de que matar, sozinhas, acho que não matamos, mas ferir fundo acredito que conseguimos.
Se pudermos ajudar um pouco a repensar as estruturas e o imaginário de cada pessoa, trazer novos pontos de vista e reflexões sobre possibilidades de mudança é uma vitória da qual podemos tomar parte. Se lado a lado com movimentos organizados X estruturas de poder, ainda mais.
8. Conta um pouco sobre a HQ em pré-venda na Brasa? Como vc chegou até o Lobo e por que optou em trabalhar com a Brasa? Você diria que há uma tônica ou um fio condutor dessa nova HQ? O que o leitor pode esperar?
O Lobo editou meu primeiro livro, pela LeYa/Barba Negra. Encontrei ele numa feira de quadrinhos, vi o material gráfico excelente produzido pela Brasa e disse “Bóra? Se tu bóra eu bóro”.
É uma coletânea de tiras, algo que não tem sido publicado com muita frequência. E são pouquíssimas as mulheres que ocupam e ocuparam esse espaço tão tradicional na historia da imprensa brasileira. É o nosso ponto de vista sobre o mundo que vem tomando a frente, com um atraso de décadas.
As tiras, a meu ver, funcionam como uma crônica social, e assim, reunidas, ganham uma força totalmente diferente. Elas geram um contexto, um registro histórico que se perderia, tanto no papel jornal de ontem como na frivolidade das timelines.
Os temas que trabalho estão todos lá. Então podem esperar uma tijolada.
9.E você tem lido HQs nacionais? Quais você recomendaria ?
Confesso que não tenho lido muitas HQs. Não ler quadrinhos o tempo todo é um respiro.
Recomendo a Revista Pé de Cabra, que traz um apanhado de quadrinistas independentes que gosto muito. Minha amiga Kellen Carvalho, uma guerrilheira, criadora da Revista Velha Cosmopolito, que há muito fala, sem firulas, sobre o existir como mulher e lançou recentemente os quadrinhos “Error, um trabalho mortal” e o “Ciência Maldita”. E aprecio demais o trabalho da Emily Bonna, que lançou por agora o quadrinho “Chalabala”.
10. E por fim, quem são outras artistas, quadrinistas ou não, que têm te inspirado hoje em dia?
Também li recentemente “Sobre a tirania” ilustrado pela Nora Krug. Maravilhosa. Sheila Heti, Annie Ernaux, Aurora Cursino. Também andei relendo a Aline Kominsky, que amo e faleceu recentemente.
O quadrinho está em pré-venda no site da Brasa, corre lá e garanta o seu.
Daniela Marino é pesquisadora de quadrinhos e questões de gênero, graduada em letras, mestre em comunicação e doutoranda em ciência da informação.
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Dani Marino é especialista em histórias em quadrinhos e questões de gênero. Mestre em Comunicação e doutoranda em Ciência da Informação pela ECA/USP, também atua como professora de Literatura Inglesa. Ganhadora de 2 troféus HQMIX com o livro Mulheres e Quadrinhos, que organizou com Laluña Machado, já colaborou com diversos sites e canais especializados em cultura pop.