Entrevista: Andreza Delgado
Conversamos com Andreza Delgado, sócio-fundadora da Perifacon, curadora, youtuber, podcaster e agora júri da CCXP Awards na categoria creators. Ela comenta o cenário geek no Brasil
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Conversamos com Andreza Delgado, sócio-fundadora da Perifacon, curadora, youtuber, podcaster e agora júri da CCXP Awards na categoria creators. Ela comenta o cenário geek no Brasil
Há muitas pessoas que trabalharam e ainda trabalham para tornar o cenário nacional de quadrinhos — e da cultura geek de forma geral — mais acessível e reconhecido. A partir desse esforço, grandes nomes se tornam relevantes no mercado. Grandes nomes… masculinos.
É difícil nomear as mulheres brasileiras que se tornaram tão famosas quanto alguns dos principais homens na cena da cultura pop do país, e não porque elas não existem ou investem menos esforço do que eles, mas porque o próprio mercado as desfavorece. Ainda mais difícil é encontrar uma mulher negra que ganhe destaque nesse ambiente. É por isso que o trabalho de Andreza Delgado é tão importante.
Natural da Bahia, Andreza se mudou para a capital de São Paulo com a família quando ainda era criança. Desde então, sempre morou na Zona Sul da cidade, em bairros periféricos como Capão Redondo e Campo Limpo. Interessada desde adolescente pela cultura pop e pelos quadrinhos, em especial os da DC Comics, Andreza foi avançado no mercado e se tornou sócio-fundadora da Perifacon, convenção geek da periferia. Hoje, aos 24 anos, é curadora, youtuber, podcaster e membro do júri da CCXP Awards, frente à categoria Creators.
Em entrevista à Mina de HQ, ela nos conta um pouco mais de sua trajetória.
Sempre gostei de cultura pop, mas eu nunca entendi que poderia ser um trabalho e que eu podia fazer parte disso. Então, desde a criação da Perifacon, passei por um processo de amadurecimento muito rápido, enquanto estava produzindo mesmo. O Emicida costuma falar que ele estava fazendo a LAB Fantasma “trocando o pneu com o carro em movimento”, e eu fiquei pensando muito nessa analogia da minha própria vida. Comecei a tomar uma direção nesse trampo enquanto estava entendo que eu podia pertencer a ele. O momento mais marcante foi em 2018, quando nos reunimos para pensar a Perifacon. Até então, sempre fui leitora de HQs, sempre gostei de assistir a filmes, acompanhava muito a DC Comics, sempre tive vontade de ir a eventos de cultura pop, mas nunca tive a oportunidade e nem a grana para ir. Acho que foi daí que nasceu esse amor e paixão para fazer a Perifacon. Sempre me entreguei muito, então foi nesse start na Perifacon que consegui olhar e falar “Sou nerd e quero trampar com isso”. E hoje é o meu trabalho.
A gente sempre foi muito amigo, eu e as sete pessoas que fundaram a Perifacon. Os meninos estavam com uma ideia de fazer, na verdade, uma feira de quadrinhos. E eu topei essa ideia, começamos a desenhar essa feira, a chamar mais pessoas para contribuir com o projeto. Fomos entendendo e dando forma enquanto o evento estava sendo produzido.
Era para ser uma feira de quadrinhos, uma coisa mais simples, mas barramos em uma dor, que é um problema da indústria como um todo: você tem um projeto muito legal, que vai muita gente, só que não é todo mundo que tem acesso. A gente foi entendendo que, na verdade, não era só uma feira de quadrinhos, precisava ter palestras, conteúdo rico, trazer uma experiência de uma convenção de verdade e para um público muito mais aberto. A gente não tem nada a ver com a Comic Con, não somos concorrentes. Não queremos ser a CCXP, nós somos a convenção da quebrada, que vai trazer os seus próprios assuntos e vai ser desenhada olhando para as dores das pessoas de periferia.
Acredito que estamos cada vez mais inseridos na cultura pop, o efeito — principalmente da Marvel — é gigantesco. Tem se normalizado muito mais esse cenário “nerd”, não é mais uma questão de vergonha como era antes. Nós temos uma cena no Brasil muito legal, com muito espaço, com muita oportunidade boa. Mas, como tudo que se trata de questões periféricas por aqui, a gente tem uma galera que fica à margem, que fica quase invisibilizada na sua produção e no acesso a essa cultura. A gente tem que entender que não cabe todo mundo na CCXP. Não dá para ir todo mundo, mas o que dá para fazer é viabilizar os espaços que essas pessoas criaram para que elas possam, elas mesmas, falar sobre a produção de cultura geek e nerd do local periférico em outros espaços.
Sempre falo que não sou só uma mulher negra, não sou só fã de Pantera Negra — só porque é um personagem que eu me identifico. Não! Sou fã do Batman também, gosto do universo dele, posso falar de Gotham City. As pessoas as vezes focam muito na questão da produção periférica feita apenas para elas mesmas, e não é isso. Nós podemos produzir conteúdos muito bons que não tenham nada a ver com a periferia. Há um desafio muito grande em desmistificar a periferia, desmistificar a esse público enquanto consumidor para as pessoas entenderem que existe uma produção, um desejo dessas pessoas serem vistas enquanto produtoras de cultura nerd, mas também como público.
“Há um desafio muito grande em desmistificar a periferia, desmistificar a esse público enquanto consumidor para as pessoas entenderem que existe uma produção, um desejo dessas pessoas serem vistas enquanto produtoras de cultura nerd, mas também como público.”
Acho muito importante, é um diagnóstico bom da situação que temos por aqui. Quando você tem grandes indústrias, a tendência, infelizmente, é que as minorias sejam invisibilizadas. Ao mesmo tempo, eu tenho visto bastante repercussão de mulheres — sobretudo não brancas — nos quadrinhos e isso é muito legal. A Marília Mars é, inclusive, uma das quadrinistas que eu gosto de acompanhar justamente por isso. Para além de ocupar os grandes espaços, a gente tem que produzido um movimento muito legal para as mulheres. A própria Mina de HQ é uma potência e um espaço para as mulheres quadrinistas para que a gente não fique só nessa busca sobre ocupar esses espaços que existem, mas também criar os nossos, que são tão importantes quanto.
Entrei em uma “pira” esses dias e li muita coisa do Box Brown. o livro Cannabis. A Ilegalização da Maconha nos Estados Unidos é sensacional, porque ele dialoga muito com uma discussão de guerra às drogas atual que estamos vivendo. Ultimamente, tenho ficado imersa no que tem saído do Rorschach, vilão do Watchmen, do selo da DC Comics. Li também recente a graphic novel Núbia: DC Teens, e achei um link muito interessante com o contexto atual do Brasil. Tanto a roteirista, L.L. McKinney, quanto a ilustradora, Robyn Smith, são negras – Robyn, inclusive, é jamaicana. Tenho visto um movimento muito legal da DC de puxar pessoas negras e criar programas para que tenham mais quadrinistas mulheres. A gente tem uma cena muito legal independente, mas também é importante ocupar esses espaços em grandes indústrias, porque isso também muda o jogo. Todo mundo sai ganhando com diversidade, no final, você acaba com um produto que consegue dialogar e atender várias pessoas. Também acompanho as webtirinhas nas redes sociais, gosto muito da Batatinha Fantasma, vejo muito do trabalho da Helô D’Angelo — acompanhei a Isolamento inteirinha.
“Todo mundo sai ganhando com diversidade, no final, você acaba com um produto que consegue dialogar e atender várias pessoas.”
Um dos jogos que mais gosto, na verdade, é o Fortnite. Jogo para ganhar um dinheiro e comprar novas arminhas; me diverte, dou risada, faço live, enfim. É um jogo que me deixa muito confortável para falar que sou “gamer”. Sempre joguei videogame, inclusive. Jogava 007 e tive muito acesso aos jogos do Nintendo 64, porque meu vizinho tinha e nós íamos jogar na casa dele. Eu gostava muito de God of War também, mas eu construí uma relação muito legal com o Fortnite mesmo. É meu jogo do coração.
Está sendo um experiência muito legal, principalmente pela liberdade que estou tendo para poder opinar. Quando você faz parte de alguma coisa onde você tem esse espaço para trazer sua opinião, principalmente nessa categoria que estou [creators], que avalia criadores de conteúdo. Conseguir trazer mais diversidade, poder conversar até sobre quem são os criadores de conteúdo que não são sempre retratados, que não estão sempre ali. Por que é isso, tem uma parada que é a seguinte: a galera está muito viciada em falar que são sempre os mesmos criadores de conteúdo, são sempre homens, sempre pessoas brancas. E eu tô aqui para opinar sobre tudo isso. Está sendo uma experiência bastante legal.
Luiza Vilela é jornalista formada pela PUC-SP e repórter de tecnologia, negócios e finanças. Tem afinidade com entretenimento e após foi criadora de Phantom Ladies, projeto de TCC sobre a atuação das mulheres nos quadrinhos.
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