Guerra na Ucrânia em quadrinhos
Conversamos com Anna Ivanenko e Jenya Polosina, artistas ucranianas que estão produzindo ilustrações, quadrinhos, fotos, textos e projetos voluntários para informar ao mundo sobre a realidade que o país está vivendo
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Conversamos com Anna Ivanenko e Jenya Polosina, artistas ucranianas que estão produzindo ilustrações, quadrinhos, fotos, textos e projetos voluntários para informar ao mundo sobre a realidade que o país está vivendo
Os quadrinhos sempre foram uma arte política, com poder de comunicação, informar e entreter. As HQs de super-heróis, por exemplo, retratam guerras e conflitos sociais e políticos, assim como cartuns nos jornais, tirinhas nas redes sociais e novelas gráficas. O registro histórico é parte essencial das HQs.
Quando a Rússia invadiu a Ucrânia, no dia 24/02/22, as ilustradoras Anna Ivanenko e Jenya Polosina, de 30 anos, se viram obrigadas a deixar a capital Kiev, onde moravam, e buscar refúgio em Chernivtsi, no sudoeste do país. E começaram um trabalho intenso de produção de ilustrações, histórias em quadrinhos, fotos, textos e projetos voluntários para arrecadar fundos para a Ucrânia e também informar ao mundo sobre a realidade que o país está vivendo. A arte política faz parte da trajetória das artistas, que desde 2015 comandam o estúdio Seri/graph e produzem exposições, feiras, livros e quadrinhos.
Crédito: studio seri/graph
No final de Abril, elas conversaram com Gabriela Borges, fundadora e editora-chefe da Mina de HQ, por e-mail, sobre a Guerra Russo-Ucraniana, a situação das mulheres no país, a importância da arte e da documentação histórica de um conflito político. “Esta guerra é injusta em todos os níveis possíveis.”
Agora, no final de Abril, a maioria de nossos entes queridos está instalada em diferentes partes do país ou até do mundo. Alguns deles estão em lugares mais seguros, outros menos. Ainda estamos em contato e nos comunicamos muito em comparação com “antes da guerra”. Quando ouvimos falar de uma explosão ou bombardeio na região onde um de nossos amigos está, checamos imediatamente se estão todos bem.
Crédito: studio seri/graph | https://www.instagram.com/p/CawJ5BytOA9
Como o trabalho se tornou nosso mecanismo de enfrentamento e resistência, tentamos desenhar o máximo possível. Isso nos ajuda a nos sentir úteis e nos mantém ocupadas. E, além do desenho, agora escrevemos muito também. E-mails, entrevistas, depoimentos de artistas e texto para postagem nas redes sociais. Isso se tornou uma parte bastante cansativa, mas muito importante do trabalho. Acreditamos que, como temos o privilégio de ter plataformas para falar agora, devemos aproveitar esta oportunidade e divulgar as informações sobre a invasão russa da Ucrânia e trazer o máximo de atenção possível para isso.
“O trabalho se tornou nosso mecanismo de enfrentamento e resistência, tentamos desenhar o máximo possível. Isso nos ajuda a nos sentir úteis e nos mantém ocupadas.”
Sempre fizemos alguns quadrinhos. Jenya fez reportagens gráficas sobre diferentes protestos na Ucrânia. Mas levamos mais a sério nos últimos anos.
A arte tem papéis diferentes. Pode fazer parte da comunicação; a ilustração, por exemplo; chama atenção e pode conversar com outros públicos além do texto. A imagem pode te tocar mesmo que você não conheça o idioma ou, para algumas pessoas, pode ser menos traumático ou mais fácil ver uma ilustração em vez de uma foto. Outra função é a documentação. Todos os quadrinhos, pôsteres e ilustrações que são feitos hoje são importantes documentos históricos dessa guerra. A guerra moderna ocorre não apenas no campo de batalha, mas também no campo informacional e cultural.
“Todos os quadrinhos, pôsteres e ilustrações que são feitos hoje são importantes documentos históricos dessa guerra. A guerra moderna ocorre não apenas no campo de batalha, mas também no campo informacional e cultural.”
Tentamos contar histórias. Nossa história, nossos amigos e parentes.
Crédito: studio seri/graph | https://www.instagram.com/p/CarhHaTtvSw
Por enquanto, nos concentramos em nossa experiência, no que vemos e no que ouvimos de nossos entes queridos. Também tentamos responder artisticamente a eventos dolorosos que acontecem todos os dias em nosso país ou criar cartazes que incentivem ações. Como nós duas somos mulheres, acabamos mostrando a experiência das mulheres durante a guerra. E, claro, não podemos excluir as questões de gênero.
As mulheres ucranianas estão muito vulneráveis agora. Muitas são forçadas a se refugiar no exterior sozinhas ou com seus filhos. As mulheres civis são mais propensas a sofrer violência e serem estupradas durante as hostilidades. Apenas nos subúrbios de Kiev, há cerca de 400 relatos de estupros cometidos por militares russos. É importante dizer que as mulheres representam 25% das Forças Armadas da Ucrânia, o que é um número muito alto. Isso inclui médicos e cargos administrativos, mas cerca de 15% estão servindo no exército. Então, seria errado ver nosso poder de defesa apenas como assunto dos homens.
Crédito: studio seri/graph | @studioserigraph
Estamos começando um novo projeto com uma importante parceira. Ela é uma advogada que lida com os direitos das mulheres na Ucrânia e ativista dos direitos humanos. Vamos contar histórias de pessoas originárias da região de Donbass ou da Crimeia, que tiveram que fugir em 2014 para outras partes da Ucrânia e agora tiveram que fugir novamente das tropas russas.
Sabemos que a Ucrânia parece estar muito longe para vocês. Então, estamos incrivelmente gratas por vocês estarem chamando atenção para a guerra em nosso país. Agradecemos profundamente qualquer ajuda, seja uma declaração ativista, apoio financeiro ou informativo. Pedimos que vocês fiquem com a Ucrânia e peçam ao seu Governo que nos apoie e imponha sanções contra a Rússia e a Bielorrússia. Esta guerra é injusta em todos os níveis possíveis. A Ucrânia é um estado independente que foi invadida por tropas de outro país. O agressor veio até nós, mata civis, estupra mulheres, comete violência e nos lança ultimatos. Não há outra razão além das ambições imperialistas da Rússia e a única maneira de acabar com isso é derrotando os atacantes no campo de batalha. Não é possível simplesmente “parar” uma guerra, assim como a vítima que está sendo estuprada não consegue “parar” aquela violência.
Crédito: studio seri/graph | https://www.instagram.com/p/CcaJfNHtQM1
Gabriela Borges é jornalista, mestra em antropologia e curadora de conteúdo. Em 2015, criou a Mina de HQ, plataforma que se tornou referência para quem quer ler histórias em quadrinhos mais diversas, conhecer artistas mulheres e trans (homens, não bináries etc), e também criar estratégias de comunicação a partir das HQs. Mídia independente e feminista, é um dos mais relevantes canais sobre HQs e gênero no Brasil. Autora do livro Encuentre su Clítoris, pela Marca de Fantasia, e editora e co-organizadora da antologia Quadrinhos Queer, pela Skript.
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