Invisibilização de artistas
Quadrinistas de fora do eixo RJ-SP relatam falta de pagamento justo e de participação em eventos “nacionais”, e como essa invisibilização de artistas precariza o mercado de quadrinhos no Brasil
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Quadrinistas de fora do eixo RJ-SP relatam falta de pagamento justo e de participação em eventos “nacionais”, e como essa invisibilização de artistas precariza o mercado de quadrinhos no Brasil
Recentemente, a quadrinista paraense Mandie Gil (@mandiegil) usou as redes sociais para falar sobre a invisibilização das artistas do Norte do Brasil. O desabafo repercutiu entre as quadrinistas fora do eixo RJ-SP, que passaram a compartilhar as próprias experiências, ajudando a montar um panorama atualizado do mercado brasileiro de quadrinhos. De acordo com elas, falta pagamento justo e participação de profissionais de outros estados em eventos classificados como nacionais.
Mandie explica que essa invisibilização é social e multifatorial. “Nesse caso, a região Norte é comumente invisibilizada em diversas áreas. Quando se trata de arte fica bem clara a disparidade de valores pagos a artistas do Norte e do Sudeste, por exemplo. Eu sempre converso com a Vanessa Ferreira (SP), diretora de arte e dona do Preta Ilustra. Discutimos questões de valores e as propostas que são passadas a ilustradores do Norte chegam a ser seis vezes menores, se tratando das mesmas propostas que foram enviadas a artistas do Sudeste. Isso se levar em conta que eu sou uma mulher branca. Esse valor pode chegar a ser 10 vezes menor se tratando de artistas pretas e indígenas”, afirma.
A artista Mandie Gil
Quadrinho por @mandiegil
“Além disso, quando esses grandes eventos e marcas deixam de nos considerar enquanto artistas participantes, seja para eventos, para receber novidades ou fazer parcerias, eles ignoram a nossa existência. É justamente a falta desse olhar para o Norte e do pagar o valor justo pelo trabalho de artistas daqui que eles acabam por invisibilizar nossa existência”, acrescenta Mandie.
A quadrinista amazonense Malu Menezes (@maluanezes) tem opinião semelhante. “Existe uma grande falta de representantes do Norte em eventos em geral. Muitos [artistas] se inscrevem e têm um trabalho incrível e nunca são selecionados, é revoltante o apagamento. Nós só somos lembrados quando há apropriação das nossas narrativas e cultura. É vergonhoso que em 2022 isso ainda ocorra”. Ela afirma que para tentar furar essa bolha as quadrinistas de estados preteridos mantêm contato, pelas redes sociais, com artistas, editores e produtores do Sul e do Sudeste, “onde estão concentradas empresas, agências, editoras, com esperança de ter trabalhos remunerados e visibilidade”.
A quadrinista Malu Menezes
Quadrinho por @maluanezes
Geiza Soares (@ellailustra_), do Maranhão, destaca que o esforço é constante para ocupar espaços em que muitas vezes as quadrinistas não se enxergam. “Quando uma artista do Nordeste/Norte, por exemplo, está em um grande evento, ou participando de mesas, já nos sentimos contempladas, pois é pouca a participação, e não é por falta de inscrição”. Ela ressalta que pagamento justo é a primeira forma de valorização do trabalho, mas os preços variam bastante, e muitos contratantes não agem eticamente. “Esses valores muitas vezes são muito abaixo do mercado, principalmente para artistas que estão entrando no mercado”.
“Com certeza receber um valor decente e de forma igualitária é receber uma grande valorização no mercado, o que não é o caso quando se fala em pagamentos feitos para artistas aqui de cima”, diz Malu. “Em discussões levantadas em redes sociais descobri que o valor que recebi todas as vezes era bem mais baixo que o valor normal pago a um sudestino”.
A ilustradora Geiza Soares
Quadrinho por @ellailustra_
Essa desigualdade pode até ser experimentada principalmente por mulheres, mas precariza o mercado de quadrinhos de modo geral. Malu avalia que a perspectiva machista e patriarcal ainda domina a produção desse segmento: “Além do pagamento realizado para mulheres ser feito abaixo da média, a mulher sempre é vista como cota nesse meio, ‘porque já tem muito homem’”.
Mandie argumenta que artistas que estão em evidência e participam de eventos e ações com marcas precisam estar atentos à diversidade. “Se você olha pro lado e só vê pessoas como você, tem algo errado”. Ela propõe uma reflexão sobre privilégio ao dizer que não adianta exigir ação de quem não consegue espaço para agir. “A gente só busca se inserir em lugares que nos cabem”.
Da mesma forma que a invisibilização de certas quadrinistas empobrece o mercado como um todo, as boas práticas tendem a contribuir para um cenário mais diverso e relevante. “O Brasil é múltiplo, esses eventos precisam estar repletos de gente diferente, de todos os tipos e de todos os lugares”, diz Mandie. “É isso que faz a comunidade crescer, o mercado só ganha com isso. Variedade, novas caras, movimento, referências diferentes. A gente precisa disso, essa troca nos faz crescer também como artistas”.
Anne Ribeiro é jornalista, de Belém (PA). No perfil @pralerhq ela escreve sobre quadrinhos para debater política, questões de gênero e universo LGBT.
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