Karipola lança sua 1ª HQ
Artista paraense reflete sobre a relação com a avó e a respeito do utilitarismo da vida em “Quase tudo são flores”
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Artista paraense reflete sobre a relação com a avó e a respeito do utilitarismo da vida em “Quase tudo são flores”
A natureza, a avó e até o capitalismo inspiram a primeira HQ de Karina Pamplona (@karipola), ilustradora e quadrinista paraense que se prepara para lançar “Quase tudo são flores” na CCXP deste ano. A ideia para a obra surgiu em 2021, durante o isolamento social, quando Karina decidiu comprar flores, depois de passar a vida dizendo que odiava.
“Era meu aniversário e foi uma urgência de passar por um período tão tumultuado e fazer algo que mude o ambiente deixando ele diferente, feliz, bonito e especial, mesmo que por poucos dias. Depois, refletindo, percebi que o que me incomodava nas flores é mais a carga simbólica que elas carregam no nosso imaginário do que o que elas são em si – até porque, por que odiar uma parte do ciclo das plantas? Qual o sentido?“, reflete a autora.
A vovó
“O escopo do quadrinho foi fundamentado principalmente por pensar em toda a construção social da feminilidade (da mulher ser comparada a rosas e como algo frágil, belo e efêmero) e por dizer que não gostava de flores porque era algo supérfluo e inútil (o que é apenas um sintoma do capitalismo e do utilitarismo da vida, de que as coisas precisam produzir algo para terem valor e utilidade).
Durante a escrita refleti também sobre a natureza, e que a gente é natureza também, e lembrava da minha avó, que é essa pessoa que cuida e cultiva plantas. A ideia foi escalonando à medida que novos pensamentos se somaram, e o que começou com o intuito de ser uma tirinha que ficou muito longa passou para um zine, formato que ficou pequeno demais; e agora é uma HQ de aproximadamente 80 páginas”.
Em “Quase tudo são flores” Karipola costura temas diversos, e tudo indica que o leitor que já acompanha a ilustradora nas redes sociais vai mergulhar ainda mais fundo na sensibilidade dela. “Uma coisa que aprendi com o projeto é se questionar e que algumas pistas de respostas a gente descobre no próprio processo de escrita e desenho. (…) Descobri que queria falar sobre a vovó quando pensei em qual pessoa que eu conheço que imediatamente vem na cabeça quando penso em flores; quando percebi que ela era peça importante da reflexão que eu queria fazer, parece que tudo fez sentido e o roteiro conseguiu se desenrolar bem mais, minha relação com ela acabou sendo esse ponto de confluência entre os temas”.
Karipola tem compartilhado com os seguidores detalhes do processo de produção da HQ, entre eles o contato com a avó Celeste, que tem 91 anos e mora no interior do Pará. “Ela já sabia que eu estava escrevendo sobre minha relação com ela porque meus pais contaram e a primeira coisa que ela disse quando me viu foi ‘Ai, tô tão feliz pelo livro que estás escrevendo! Eu acredito tanto em ti!’, e ficaram as duas emocionadas se abraçando – rindo que ela não sabia que era uma história em quadrinho, mas depois que expliquei e ela achou o máximo”.
Karina começou a publicar ilustrações e tirinhas em aquarela na época dos blogs, em 2010, e em 2013 migrou para a ilustração digital. Ela conta que passou por hiatos de anos sem desenhar, motivados por autossabotagem, comparação e insegurança, mas em 2020 retomou a constância na produção para as redes sociais. “Ainda sinto que tô descobrindo minha linguagem e venho experimentando muito também, mas de alguma forma estou de bem com isso. Eu gosto de retratar o cotidiano, elaborar em cima de sentimentos que ainda estão meio nebulosos pra mim e de guardar conversas que eu tenho com outras pessoas. Acho que sou uma pessoa que gosta de colecionar pensamentos e uma artista que gosta de pessoas, então meio que as coisas andam juntas”, explica.
“Desde então eu tento mantê-la atualizada dos passos que estou tomando pro lançamento e ela fica feliz por cada conquista como se fosse dela também. Quando abri o financiamento coletivo eu pedi pra ela torcer por mim, que na linguagem de vó significa rezar, e quando batemos a meta, ela só falou: ‘Eu não te disse? Tens que acreditar mais em ti!’. Toda vez que eu acho que eu não vou conseguir, eu penso: ‘Faz pela vovó’, e de alguma forma isso ajuda. Às vezes fazer algo por alguém ajuda a gente a desengatar”.
Karina contou com esse apoio de familiares e também de colegas para se preparar para o financiamento do livro por meio da plataforma Catarse (https://polinize.catarse.me/quasetudosaoflores). Ela confessa que viu com surpresa e alívio a meta ser batida em menos de 12 horas de campanha. “Uma vez desabafando com o meu primo André, eu falei que a sensação é a de estar pulando de um precipício porque a gente não sabe se vai ter algo lá embaixo para nos amparar, e ele falou ‘Não, pera lá, na verdade é como pular de paraquedas, a gente vem preparando a nossa mochilinha e equipamentos e torce pra que ela funcione quando estiver em queda livre’. Como achei essa metáfora melhor, digo que a sensação é a de torcer pra conseguir abrir o paraquedas e que não dê nenhum problema no joelho quando pousar no chão, porque por mais que a gente esteja preparado, a gente nunca sabe como vai ser, a gente só sabe na hora que as pessoas apoiam (e o equipamento funciona)”.
A quadrinista analisa a transição do on-line para o impresso e cita alguns desafios de publicar um trabalho de forma independente: “Ainda existe a camada de morar no Norte do Brasil, em que as coisas acabam sendo mais caras e demoradas, como o custo de frete e a logística de chegada dos produtos. Sem falar de toda a organização do financiamento coletivo para viabilizar a impressão, e pensar em estratégias de distribuição e lançamento. E por trás disso tudo a vida acontece e várias crises pessoais (da pressão e achar que não vai conseguir) e de saúde, tanto física quanto mental, rolam no processo”.
Garantida a publicação de “Quase tudo são flores”, a autora volta os olhos para a CCXP, que será realizada de 30 de novembro a 3 de dezembro, em São Paulo. “Eu tô muito ansiosa e empolgada, é a primeira vez que participo de um evento desse tipo, de viajar para outro estado e mostrar as coisas que faço. Já conversei com outras pessoas e sei que vai ser superexaustivo e cansativo o dia a dia no Artists’ Valley, mas não tem como, tô feliz demais de poder ocupar novos espaços, sair do virtual e estar do lado de tanta gente que admiro o trabalho. Contando os dias e morrendo de vontade de conhecer todo mundo da Mina de HQ”
Anne Ribeiro é jornalista, de Belém (PA). No perfil @pralerhq ela escreve sobre quadrinhos para debater política, questões de gênero e universo LGBT.
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