Entrevista: Lilian Mitsunaga
Grande homenageada da 7ª edição da Bienal de Quadrinhos de Curitiba, Lilian Mitsunaga é a maior referência quando pensamos nas letras dos balões de fala das HQs.
Quer receber novidades sobre histórias em quadrinhos? Inscreva-se!
Grande homenageada da 7ª edição da Bienal de Quadrinhos de Curitiba, Lilian Mitsunaga é a maior referência quando pensamos nas letras dos balões de fala das HQs.
“Já foi tema de algumas teses de pós-graduação na academia e com categoria nas maiores premiações de histórias em quadrinhos do mundo. Tão importante quanto ilustração, cores e roteiro. Recordatórios, onomatopéias, narrações e as inúmeras falas precisam delas: AS LETRAS!” (Via Bienal de Quadrinhos de Curitiba)
Lilian Toshimi Mitsunaga (@lilian.mitsunaga) é o nome mais lembrado quando pensamos nas letras dos quadrinhos. Com mais de 2417 edições segundo o guia dos quadrinhos, ela é a grande homenageada da 7ª edição da Bienal de Quadrinhos de Curitiba, que acontece no NuMA, de 7 a 10 de setembro.
Para conhecê-la um pouco melhor, confira a entrevista abaixo, realizada há alguns anos, mas que nunca havia sido publicada.
Hoje, qualquer pessoa capaz de usar um computador pode letreirar uma
HQ usando fontes já existentes no mercado. Porém, são poucos os profissionais capazes de letreirar à mão, usando penas, canetas e tablets. Poder fazer as duas coisas é o que eu consideraria uma ótima formação de um letrista. Na minha opinião, um bom letrista deve dominar programas de editoração e também programas como Photoshop e Illustrator. Saber construir fontes também é um diferencial para trabalhos específicos. Se tiver condições de desenhar seus próprios caracteres, não dependerá de outro para fazer isso.
Era uma época de ouro… Havia grandes empresas envolvidas na publicação de revistas, com tiragens imensas. Além disso, havia muitas bancas e o consumo de quadrinhos era enorme. Comecei meio por acaso: cursava faculdade em período integral e buscava um meio de trabalhar sem prejudicar meus estudos. Consegui ser contratada no esquema freelancer, cumpria cotas mensais e podia trabalhar em casa. Havia uma boa produção nacional de quadrinhos e o material era exportado também. Não havia muitos letristas, acho que era uma profissão pouco conhecida. Antes de começar a letreirar, eu nem imaginava que era tudo feito à mão.
trecho da HQ Parafusos, com letras da Lilian
Acho que a principal foi a transição de letras manuais para digitais. Toda mudança traz coisas boas e ruins. O importante é saber se adaptar a elas. Quando se fazia letras à mão, encontrar um bom letrista era semelhante a encontrar bons desenhistas. Tinha que ter boa letra e muita paciência, porque o trabalho era artesanal. Quando surgiram os computadores pessoais, muitas pessoas diziam que a profissão de letrista estava no fim e que todos esses profissionais seriam substituídos pelos editores ou tradutores, que colocariam eles mesmos os textos nos balões. Eu também pensei isso. Mas o tempo passou e eu ainda estou por aqui, preenchendo os balõezinhos. Foi questão de me adaptar ao novo jeito de letreirar. Na época, eu achei a mudança ruim porque tudo era muito novo e computadores pareciam complicados. Depois comecei a gostar e hoje acho maravilhoso. Não poderia viver sem.
Outra mudança foi a internet. Antes tínhamos que buscar os textos em papel para transcrever diretamente nas artes desenhadas a lápis. Depois precisávamos entregar o material físico nas editoras para ser arte-finalizado. Hoje em dia, nem preciso sair de casa para isso. Não é fantástico? Quanto tempo e dinheiro se economiza em deslocamento! Por outro lado, deixou o trabalho menos interativo. Não se encontra mais ninguém pessoalmente. Esse é um lado ruim. Tudo ficou mais impessoal… e-mails, mensagens instantâneas, ninguém mais se encontra.
O mercado editorial vem sofrendo (na minha opinião) porque o jeito de se consumir entretenimento está mudando. É um fenômeno mundial. Não há mais tiragens astronômicas.
Consome-se menos papel e mais conteúdo pelas telinhas dos celulares. Por outro lado, nunca antes houve tantos artistas podendo mostrar seus trabalhos online ou em tiragens pequenas. Estamos vivendo uma era de “volta às origens”. Não mais grandes empresas publicando, mas pequenas editoras surgindo com maior variedade de títulos. Grandes jornais fecharam também. O material impresso no Brasil ainda é grande, mas acho que a tendência mundial é reduzir cada vez mais.
Se for sobre conteúdo, normalmente parte-se do princípio que se deseja uma fonte única para um projeto, que não exista similar no mercado. Geralmente fontes criadas a partir da caligrafia de um artista ou para um projeto específico. Por exemplo, uma fonte com formas de animais para um livro infantil.
Se for sobre a forma e tiver que partir do zero, é preciso desenhar os caracteres no computador ou em papel. Se for papel, digitalizar em alta resolução e vetorizar; depois aplicar em um programa para construir fontes e acertar os espaçamentos, tamanho e espessuras. Essa é a parte demorada, em que cada artista coloca seu toque pessoal para o resultado desejado.
Se tiver que usar as letras de algum autor para manter as características de uma obra traduzida, é mais fácil porque não precisa criar os caracteres, mas precisa de uma boa amostra de todas as letras do alfabeto, números, sinais gráficos e pontuação.
As semelhanças são que, em todos os casos, se utilizavam os balões originais e os editores tinham que editar os textos de maneira que coubessem nos balões. Diferenças: no caso da Disney, havia ainda a produção nacional e era necessário desenhar todos os balões e, nesse caso, podíamos desenhá-los conforme a quantidade de texto; e usam-se letras mais redondas, com a proporção parecida em altura e largura. Havia HQs curtas, gags ou longas, geralmente completas. Em heróis, as HQs tinham mais páginas e muitas histórias eram continuação, como uma novela. Como havia mais texto, as letras eram mais estreitas para caber mais texto. O fato de terem escolhido imprimir em “formatinho” (134 x 190), quando o original era “americano” (17 x 26), dificultava mais ainda o encaixe das letras. Nos mangás, os arquivos geralmente são em branco e preto com muitas páginas, porém mais leves pra se trabalhar por não serem coloridas. O mais complicado era a montagem dos arquivos ao contrário, seguindo a leitura oriental, com a paginação feita manualmente. E mangás têm começo, meio e fim. O trabalho em si é semelhante, mas a quantidade de texto e o jeito de montagem fazia com que cada um demorasse mais que outros para ser executado.
Desaplanar, HQ com letras de Lilian
Tudo na vida tem dois lados… Em termos de tempo, prejudicou porque eu sempre levava mais tempo para letreirar HQs complicadas. Mas, do ponto de vista do aprendizado e do reconhecimento, foi ótimo porque me deu muito mais experiência e me tornou mais conhecida. Ninguém escolhe escalar um monte baixo, você prefere o mais alto porque finalizar uma coisa difícil é mais prazeroso e notável.
Gosto de trabalhar sossegada, escolher o horário que melhor me aprouver. A dica que dou é: sempre dê o seu melhor. Alguém sempre vai estar observando você.
Asilo Arkham
Laluña Machado é pesquisadora de quadrinhos e maior especialista acadêmica em Batman do país, graduada em História pela UESB e Ganhadora de 3 troféus HQMIX.
Clique aqui e apoie a Mina de HQ!