Diversidade nos quadrinhos
Revista Ragu, publicação do selo Cepe HQ, reúne trabalhos de 40 quadrinistas
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Revista Ragu, publicação do selo Cepe HQ, reúne trabalhos de 40 quadrinistas
De Pernambuco volta ao mercado editorial de quadrinhos a revista independente Ragu, que estreou em 2000, como um projeto local, e a cada edição expande sua projeção nacional. Desta vez, mais de 40 artistas compõem um panorama das HQs no Brasil, no qual a diversidade se destaca no processo de conquistar novos públicos.
Conversamos com João Lin, um dos idealizadores do projeto, e Dandara Palankof, jornalista, tradutora e editora de quadrinhos, sobre a escolha dos artistas presentes na Ragu 8 – que conta com mais mulheres, por exemplo – e sobre a busca pela produção “fora do eixo”, uma marca da revista. “Sempre compreendemos que há um modo de olhar para a produção artística brasileira que privilegia algumas regiões e a Ragu sempre faz outro caminho, evitando essa olhar estreito e excludente”, destaca Lin.
Christiano Mascaro, João Lin, Paulo Floro e Dandara Palankof (Foto: Divulgação)
Dandara Palankof: A maior parte dos processos da produção da revista foi desenvolvida coletivamente e a curadoria foi o primeiro deles. Basicamente nós levamos pra mesa uma série de nomes que admirávamos, cujos trabalhos já haviam chegado até nós, e tentamos imaginar como seus estilos se encaixariam na proposta que tínhamos em mente, o que poderíamos esperar de cada um. A partir disso fomos fechando os nomes que eram consenso entre nós quatro.
João Lin: Sim, a gente tinha a intenção de abranger o máximo possível dessa diversidade, sabendo que a tarefa não é fácil, pois felizmente hoje temos um espectro superamplo que deixa a produção de quadrinhos no Brasil riquíssima. A escolha se deu a partir das sugestões de cada editor/a. As sugestões eram colocadas na roda e a gente conversava sobre cada autor/a. Fizemos tudo de forma compartilhada, com exceção do design da revista, que ficou por conta de Mascaro.
Dandara Palankof: Foi de máxima importância. A Ragu sempre contou com artistas que exploravam as mais diversas possibilidades oferecidas pelas histórias em quadrinhos e nada representa isso melhor do que a multiplicidade de vozes que representa tão bem o que é o cenário atual dos quadrinhos brasileiros. Refletir esse momento era um intuito consciente, mas ao mesmo tempo muito conectado às propostas que sempre estiveram no cerne da publicação. Então essas características acabaram transparecendo de forma bem natural ao longo do processo.
João Lin: A busca pela produção “fora do eixo” está presente desde o início da Ragu, sempre compreendemos que há um modo de olhar para a produção artística brasileira que privilegia algumas regiões e a Ragu sempre faz outro caminho, evitando essa olhar estreito e excludente. Sobre a presença das autoras de quadrinhos, isso é na história da Ragu uma lacuna. Em edições anteriores não conseguimos dar a expressão merecida à produção das autoras, que sempre existiu e que merecia maior presença nas edições passadas. Dessa vez tentamos trazer a expressividade dessa produção e creio que conseguimos colocar o trabalho de muitas autoras importantes que estão produzindo hoje no Brasil.
João Lin: O cenário dos quadrinhos mudou muito, juntamente com as formas de comunicação e os meios para a circulação da produção artística de maneira geral. As redes sociais transformaram nossa maneira de ler, de trabalhar, de fazer arte… As exigências são outras, mas continuam grandes para os que estão no espectro independente. A quantidade da produção aumentou, a diversidade de discursos também, as pautas identitárias ganharam força e trouxeram maneiras novas de ler e expressar a nossa realidade através dos quadrinhos. A abertura para experimentação da linguagem também trouxe mais riqueza para o ambiente das HQs.
Dandara Palankof: São dois cenários de fato muito distintos, inclusive por hoje termos o que se configura como o embrião de mercado de quadrinhos no brasil – ainda que essa característica esteja ligada à questão do “universo geek” e o consumo de outros produtos, o que quase nunca reverbera nos quadrinhos em si. Então essa questão acaba sendo mais pertinente ao cenário ainda tido como independente ou autoral. Nisso, a renovação do público – como fazer as crianças desses tempos lerem quadrinhos, e ainda mais, continuarem com o hábito conforme envelhecem – ainda é uma questão. Porém, a pluralidade de vozes também trouxe a possibilidade de mostrar que um meio muito ligado no imaginário geral ao universo machista e infantilizado dos super-heróis oferecia vários outros universos, atraindo leitores que geralmente se sentiam dissociados deles – como as mulheres. Também é fato que a popularização da internet e das redes sociais levaram a um maior alcance e maior intercâmbio entre as produções das mais diversas regiões – e curiosamente hoje são essas mesmas redes que ameaçam essa diversidade de conteúdo. Creio que essas seriam as principais questões mais ligadas aos tempos atuais, mas a maior delas é perene: o fato de que a leitura como um todo é um hábito ainda elitizado, econômica e culturalmente.
Dandara Palankof: Nossa proposta aos artistas foi apresentada como um “tema guarda-chuva”, como definirão João Lin e Christiano Mascaro. Era uma linha bastante aberta, que possibilitava as mais diversas abordagens – e é o que vemos nos trabalhos que foram apresentados na edição. E ainda que eles pareçam tão diferentes entre si, existe um elemento de ligação subjacente entre todos eles, o que dá uma coerência meio que não explícita, mas totalmente compreendida durante a leitura.
João Lin: A Ragu sempre se caracterizou por não adotar temas para reforçar o caráter autoral dos seus colaboradores e a natureza plural das suas edições. Neste número de retomada do projeto decidimos por um caminho do meio, onde a linha editorial seria também uma forma de costura entre os trabalhos publicados. Mas diante da realidade brasileira hoje, é “natural” que a Ragu olhe para este cenário, ainda que preservando a liberdade criativa/autoral dos/das artistas convidados/as. Sugerimos explorar o caráter político e a potencialidade discursiva das histórias em quadrinhos e ilustrações, mas abrindo espaço para que os autores e autoras que não quisessem fazer esse caminho pudessem sair desse guarda-chuva que chamamos genericamente de “engajamento gráfico”.
Ragu é um lançamento do selo Cepe HQ, tem 158 páginas e custa R$ 70. Vai lá: www.cepe.com.br/lojacepe/ragu-8
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