O festival de HQs de Montreal
A quadrinista brasileira Ana Luiza Koehler foi uma das convidadas do Festival de Quadrinhos de Montreal, no Canadá, e conta suas impressões sobre o evento
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A quadrinista brasileira Ana Luiza Koehler foi uma das convidadas do Festival de Quadrinhos de Montreal, no Canadá, e conta suas impressões sobre o evento
O Festival de Quadrinhos de Montreal, no Québec (Canadá), foi mais uma vez um sucesso. Assim como no ano passado, o Festival de BD de Montréal, como se diz em francês, atraiu um grande e variado público para a rua Saint Denis, no coração da cidade, junto a restaurantes, cafés e lojas, ocupando uma extensão de mais de um quilômetro sobre a qual foram instaladas as tendas que abrigaram autores e editores de quadrinhos, bem como atividades diversas (oficinas, mesas redondas, informações ao público). Organizado por uma eficiente equipe capitaneada por Virginie Mont-Reynaud e Mélanie La Roche, a 12ª edição contou com mais de 300 convidados entre artistas, autores, roteiristas, editores, professores e outros profissionais envolvidos na produção, edição, divulgação e ensino da nona arte. Destes, uma grande maioria era de convidados locais e regionais, visto que há uma cena de quadrinhos muito ativa no Canadá como um todo, mas também havia convidados vindos da França, Alemanha, Chile e Brasil, como foi o meu caso.
Tive a oportunidade de representar o Brasil ao lado dos gêmeos Fábio Moon e Gabriel Bá, o que foi fruto de uma parceria muito fecunda do Festival com o Consulado do Brasil em Montréal, e pude conhecer um pouco tanto da cidade quanto da produção de quadrinhos local, o que se revelou uma experiência muito enriquecedora. Eu realmente não sabia muito o que esperar até chegar lá, e me surpreendi com os dias quentes e ensolarados que fizeram com que toda a cidade quisesse sair de casa depois de um inverno rigoroso. Ao contrário do que imaginava, não usei sequer um casaco durante todos esses dias, e já aconselho a quem quiser ir no festival que coloque uma roupa bem esportiva, um bom tênis e pegue sua garrafinha de água, pois há muito para ver ao longo da rua Saint Denis.
Excetuando alguns estandes de editoras francesas maiores que também atuam no Québec (Ça et Là, Glénat), a impressão que tive é de que a tônica do festival realmente é a produção local e mais autoral. Pude conhecer algumas das pequenas editoras que estavam expondo seu catálogo lá (como Black Panel Press, Drawn & Quarterly, Pow Pow, etc.), assim como autores fora do mainstream cujo trabalho tem muito de autobiográfico e político. Fiquei conhecendo a maioria deles e delas assistindo as mesas-redondas, em que discutiam suas obras e trocavam impressões e idéias sobre diversos aspectos da produção de quadrinhos com seus pares. Geralmente, era aí que eu me interessava pelas obras e procurava depois comprá-las (e, com sorte, pegar um autógrafo e conversar um pouco com eles também!)
Foi assim que comprei e li Nunavik, de Michel Hellmann, em que o autor conta em quadrinhos como foi sua viagem ao norte do Canadá para conhecer os povos originários da região e uma parte do país totalmente diferente das capitais. Na mesma linha, Caroline Lavergne registras em belíssimas aquarelas sua ida também ao norte do país acompanhando uma equipe de filmagem em “Le film de Sarah” (“O filme de Sarah”). Ler esses dois quadrinhos é como viajar com seus autores. Já Geneviève Bigué traz a história de um grupo de estudantes às voltas com o mistério de um lago em chamas na sua HQ “Parfois les lacs brûlent” (“Às vezes os lagos queimam”). É uma HQ em que se tem um retrato bastante sensível da dinâmica entre jovens escolares e onde a autora torna a paisagem do Québec um dos personagens principais da narrativa. “RDW”, de Marco Rudy, aborda o tormento de uma elfa guerreira entre a dependência de uma substância que aumenta sua força em batalha e a busca desesperada pelos remanescentes de sua tropa, tudo isso com uma intensidade narrativa e gráfica absolutamente ímpar. Por sua vez, “Une nuit” (“Uma noite”) é uma alegoria extremamente sensível da França contemporânea, na qual as múltiplas identidades étnicas e religiosas de seus residentes se confrontam mas também formam alianças. Essa HQ foi escrita por Kenza Aloui, Saena Delacroix-Sadighiyan e Inès Weill-Rochant, e foi desenhada por Odélia Kammoun. Numa senda bastante intimista, “La Mangouste” (“O mangusto”) de Joana Mosi se passa no país natal da autora, Portugal, e vai descortinando aos poucos uma história familiar cuja protagonista se rebela contra mudanças na sua vida. Finalmente “Hypericon”, do italiano Manuele Fior, é um romance gráfico que narra as transformações internas da protagonista em sua ida a Berlin para trabalhar numa exposição sobre a famosa descoberta da tumba de Tutankhamon em 1922.
Ana Luiza Koehler é quadrinista e arquiteta brasileira. Mestra em Arquitetura pela UFRGS, trabalha como ilustradora desde 1993, principalmente com o mercado franco-belga de quadrinhos.
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