Ganhadoras do 34º troféu HQMIX
Apesar do número cada vez maior de mulheres produzindo e consumindo quadrinhos, isso ainda não se reflete nas premiações. Por que isso acontece?
Quer receber novidades sobre histórias em quadrinhos? Inscreva-se!
Quer receber novidades sobre histórias em quadrinhos? Inscreva-se!
Quer receber novidades sobre histórias em quadrinhos? Inscreva-se!
Apesar do número cada vez maior de mulheres produzindo e consumindo quadrinhos, isso ainda não se reflete nas premiações. Por que isso acontece?
Antes de falar sobre as ganhadoras do 34º troféu HQMIX, preciso abrir um parêntese e explicar algumas coisas a respeito dessa edição e de outras premiações também.
Já havia comentado aqui, quando postamos a lista de indicades desse ano, que eu integrava o júri. Não é a primeira vez que sou júri de concurso de quadrinhos e imagino que não seja a última que a premiação tenha sua credibilidade questionada por homens que acreditam que a presença de mulheres nos espaços tornaria a classificação parcial. Também já falei sobre isso aqui.
Ana Luiza Koehler – ganhadora em várias categorias do HQMIX 2021 com Beco do Rosário
Pois bem, o resultado saiu e como poderemos observar, a quantidade de mulheres (cis ou trans, lgbts e pessoas não-bináries) segue sendo muito inferior ao de ganhadores do sexo masculino se comparada à quantidade de mulheres que produzem quadrinhos no Brasil. No FIQ desse ano, por exemplo, as mulheres eram não só maioria numérica nas mesas, mas também entre os convidados dos painéis.
Esse aumento da nossa participação também pode ser observado entre indicados do prêmio Jabuti, embora isso não reflita o número de mulheres entre os finalistas e também no número de mulheres presentes na CCXP2022, não só como quadrinistas, mas como homenageadas e convidadas nos mais diversos painéis.
.
Monstrans, de Lino arruda, concorreu na categoria Publicação independente edição única
Então, por que há tão poucas mulheres entre os vencedores do HQMIX, mesmo com mais mulheres entre os jurados e na organização do prêmio (nesse ano da Dani Baptista assumiu a presidência do evento ao lado de Jal)? Bom, eu gostaria muito de culpar apenas o machismo por isso, mas a realidade, é que ainda que esse problema seja estrutural e defina até mesmo como as autoras se sentem em relação às suas produções, as mulheres não se inscreveram em número proporcional aos homens cis. Havia categorias, por exemplo, com mais de 120 inscritos, dentre os quais menos de 10 eram mulheres.
Logicamente que esse não é um dado que possa ser analisado superficialmente, por isso conversei com autoras com quem tenho mais proximidade para tentar entender o que houve. Algumas comentaram em um tuíte meu que simplesmente se esqueceram, comeram bola mesmo. Outras não produziram como gostariam durante a pandemia (a premiação concerne a produção de 2021 e o isolamento social comprometeu demais a saúde mental de todes), portanto, não tinham lançamentos para inscrever. Houve também aquelas que simplesmente estão desacreditadas em relação a essas premiações, cansadas mesmo.
Isso se reflete no número de ganhadoras dessa edição, principalmente se tivermos em mente que o perfil do público votante registrado para isso (especialistas, jornalistas, editores, artistas), se constitui majoritariamente leitores que não consomem grande parte das produções femininas (suposição com base em uma tendência observada ao longo dos anos em diversas esferas da produção artística)
Arlindo, da Ilustralu, ganador das categorias Publicação Juvenil e Web quadrinhos
Lembro que nos anos que a Mary Cagnin e a Carol Cospe fogo ganharam em categorias que nunca mulheres haviam ganhado no Angelo Agostini antes, houve campanha pesada entre nós em grupos de whatsapp para que as mulheres se inscrevessem, votassem e divulgassem bastante em suas redes que estavam concorrendo. O resultado veio. Mas não alcançamos um patamar onde é natural para as pessoas consumir, divulgar, apreciar trabalhos produzidos por mulheres. Isso significa que nossas campanhas e ações não podem parar até que nossa presença nos espaços seja de fato natural. Isso é cansativo, eu sei.
Ainda assim, vale lembrar que se não fosse essa militância, ainda que meio tímida às vezes, era bem possível que nem mesmo essas ganhadoras estivessem nessa lista. Em 2021 as mulheres foram ganhadoras em 13 categorias (avaliando a produção de 2020 que ocorreu em meio à Pandemia de COVID-19); em 2020, as mulheres ganharam em 10 categorias; em 2017, ano seguinte à polêmica dos cartazes que gerou forte mobilização entre autoras e jornalistas, apenas 3 mulheres ganharam. Nesse ano, apesar de haver um número significativo de mulheres (cis e trans), pessoas LGBTQIAP+, homens trans e pessoas não-bináries “espalhadas” em muitas coletâneas, no total das categorias as mulheres são ganhadoras em 8 categorias (compare com o número de indicadas nessa edição), sendo que novo talento roteirista e novo talento desenhista ainda serão anunciados, o que poderia levar a 10 ganhadoras:
Laluña Machado é tri-campeã do HQMIX, levando o prêmio de melhor livro teórico por Histórias dos quadrinhos: EUA, escrito em parceria com Diego Monreau.
Germana Viana, por Menage, na categoria Publicação de humor. Produção em parceria com Marcatti e Laudo.
Luiza Soares, a Ilustralu, por Arlindo nas categorias Publicação Juvenil e Web quadrinhos (também concorre como novo talento desenhista)
Laerte, por Manual do Minotauro, na categoria publicação de tiras.
Amanda Ribeiro é ganhadora na categoria Projeto especial da Pandemia com a HQ O Time do Vírus. Em sua reportagem em quadrinhos, feita em parceria com Luiz Fernando Menezes, a jornalista buscou retratar a polarização política que ocorreu no país à época da Pandemia e como isso afetou significativamente as ações científicas de enfrentamento ao COVID-19
Dandara Palankof é editora da revista Ragu, que leva o prêmio de melhor projeto editorial por sua 8ª edição.
Carolina Luz Paulo, com seu TCC intitulado Conversações em Rede: Uma Análise da Interação da Editora Pipoca & Nanquim com Seus Fãs-Clientes nas Plataformas Digitais
E Helô D’ângelo, pelas tirinhas da Helô na categoria web tira.
A revista Café Espacial conta com diversas mulheres em suas edições, assim como a editora Guará, que ganhou prêmio (empatada com Pipoca e Nanquim) de melhor editora do ano (um grande feito para uma editora cujo foco principal é publicar autores e autoras nacionais).
A grande homenagem desse ano vai para a professora e pioneira na pesquisa de quadrinhos Sonia Luyten. Sonia criou a primeira mangateca do Brasil, foi professora da USP, onde ajudou a fundar o Observatório de Histórias em Quadrinhos que existe até hoje. Nesse ano ela completou 50 anos de carreira, que tem sido celebrado por exposições, como a que a Laluña Machado organizou na Gibiteca de Santos e em paineis como o do dia 25 de novembro na Butantã Gibicon.
Ainda assim, se há algo que ficou claro estando do lado de lá do processo de avaliação é que o esforço de tornar esses espaços cada vez mais diversos não deveria decair apenas sobre iniciativas como a Mina de HQ ou sobre as mulheres, afinal, espaços mais diversos deveriam ser do interesse de todos.
Também fica nítido que está mais do que na hora de homens cis pararem de nos acusar de parcialidade toda vez que somos convidadas a ocupar certas posições. Reduzir nossa competência, militância e anos de estudo e atuação no meio a um preconceito de gênero é ultrapassado demais, não é mesmo?
Homenageando os 100 anos da Semana de Arte Moderna, os premiados receberão a estatueta da personagem Kabelluda, de Patrícia Rehder Galvão, conhecida como Pagu.
Escritora, poeta, diretora, tradutora, desenhista, cartunista, jornalista e agitadora nas artes, Pagu foi uma das expoentes do movimento da Semana de Arte Moderna de 1922, mesmo não participando do evento, já que na época tinha 12 anos. Ela foi também, a primeira mulher no Brasil a desenhar tiras de quadrinhos.
Pagu se transformou em musa dos modernistas e até se casou com Oswald de Andrade em 1930. Juntos lançaram o jornal O Homem do Povo, onde publicou suas tirinhas. A história em quadrinhos chamada Malakabeça, Fanika e Kabelluda descreve situações de Kabelluda, a sobrinha pobre de Malakabeça e Fanika, um casal que não teve filhos.
Conhecida por seu ativismo político, ela também foi homenageada por @a_linelemos no livro Mulheres e Quadrinhos.
Prêmios são instâncias de legitimação do trabalho de artistas, por isso que o HQMIX é do interesse de diversos pesquisadores. Nos últimos anos várias pesquisadoras têm se dedicado a analisar a presença das mulheres nesses espaços, por isso, indico alguns desses trabalhos.
Elas fazem HQ! Mulheres brasileiras no campo das histórias em quadrinos independentes – De Jéssica Daminelli
Autoria das mulheres nas HQs do Brasil: contranarrativas das autoras premiadas na última década pelo troféu HQMIX – De Natália Sierpinski
Um panorama da produção feminina de quadrinhos pubicados na internet no Brasil – De Carol Ito
m HQ! Mulheres brasileiras no campo das histórias em quadrinhos independentes.
Daniela Marino é pesquisadora de quadrinhos e questões de gênero, graduada em letras, mestre em comunicação e doutoranda em ciência da informação.
Clique aqui e apoie a Mina de HQ!
Dani Marino é especialista em histórias em quadrinhos e questões de gênero. Mestre em Comunicação e doutoranda em Ciência da Informação pela ECA/USP, também atua como professora de Literatura Inglesa. Ganhadora de 2 troféus HQMIX com o livro Mulheres e Quadrinhos, que organizou com Laluña Machado, já colaborou com diversos sites e canais especializados em cultura pop.