Os quadrinhos políticos de Helô D’Angelo
Conversamos com Helô D’Angelo, jornalista e autora de “Dora e a Gata”, que vem se tornando uma das mais notáveis quadrinistas da sua geração
Quer receber novidades sobre histórias em quadrinhos? Inscreva-se!
Conversamos com Helô D’Angelo, jornalista e autora de “Dora e a Gata”, que vem se tornando uma das mais notáveis quadrinistas da sua geração
Embora formada em jornalismo, é através dos quadrinhos que Helô D’Angelo se tornou mais conhecida. Suas tirinhas abrangem temas diversos, do cotidiano até o político.
Helô acaba de lançar sua primeira HQ longa, Dora e a Gata, financiado coletivamente pelo Catarse, numa campanha que alcançou 196% da meta inicial e garantiu a impressão de uma primeira tiragem com 2 mil exemplares do livro.
Fico muito surpresa de ver meu trabalho crescendo tanto, é muita gente. O meu trabalho acaba viralizando muito rápido, acho que pelo jeito que escrevo e os temas que abordo, fico sempre ligada pra tentar fazer coisas sobre o momento. Tento dividir meu trabalho entre coisas que eu gosto de fazer e que eu quero produzir e coisas que acho importante fazer pra alimentar esse público e continuar comentando sobre o que está acontecendo no país.
Sinto bastante diferença sim, no começo eu fazia tirinhas mais sobre o dia a dia, mas hoje faço praticamente só sobre política, direitos humanos e feminismo, e foi por causa da resposta das pessoas. Eu me senti mais segura, senti que tinha gente ouvindo o que eu estava falando e comecei a fazer cada vez mais quadrinhos sobre política, então mudou bastante nesses dois anos.
Acho que a pensadora que mais me influenciou foi a Silvia Federici, historiadora italiana que escreveu Calibã e a Bruxa, O Ponto Zero da Reprodução e vários outros livros. Ela é incrível, tem uma tese de que o capitalismo só aconteceu por causa da caça às bruxas. Adoro ela.
Também gosto muito da bell hooks e da Angela Davis, que são pensadoras negras que me forçam a tomar uma perspectiva diferente da que eu tenho, que querendo ou não é uma perspectiva branca de classe média alta. A Naomi Wolf também, que escreveu O Mito da Beleza. É um livro que faz a gente rever tudo que a gente pensa sobre beleza e a nossa liberdade de escolha, e me fez rever muito as minhas escolhas.
Pensadoras que me influenciam são essas, mas tenho algumas autoras que admiro muito. Curto muito Sylvia Plath, Octavia Butler, Margaret Atwood e várias outras.
Minha primeira grande referência de quadrinhos é a Marjane Satrapi, foi a primeira mulher quadrinista que eu li, fiquei completamente encantada. Li aos quatorze, treze anos, fiquei muito feliz com aquele livro, que era um desenho relativamente simples e que ao mesmo tempo que transmitia muita coisa. Também a Alison Bechdel, a Laerte, a Noelle Stevenson…
Fora dos quadrinhos uma grande referência pra mim é a Marina Abramović, adoro ela apesar da nossa arte não ter nada a ver em termos de forma. Gosto muito do jeito que ela passa as coisas, como ela consegue representar coisas e incomodar pessoas e não ligar pra explicar, acho realmente muito incrível.
Ultimamente não tenho tido tantos comentários escrotos, acho que fui fechando a minha bolha. São pessoas meio perdidas, às vezes são crianças. Nas eleições tinha bastante, recebi bastante hate, várias ameaças, inclusive uma de morte. Mas só ameaças, não aconteceu nada comigo e fui lidando, ignorando, bloqueando.
Hoje o que acontece é uma coisa até engraçada. Meus seguidores são muito bacanas, tenho poucos que são escrotos. Mas eles tem uma imagem formada de mim, uma expectativa sobre o jeito que eu deveria ser, e se de alguma forma eu escapo disso, elas ficam muito bravas. Com a Dora agora, teve um episódio que achei muito emblemático.
O último episódio da webcomic era a Dora encontrando a casa toda revirada porque o ex namorado tinha entrado, machucado a gata. Aí a Dora liga pra polícia e fala que quer uma medida protetiva. E as pessoas ficaram muito bravas comigo porque em tese isso tá errado, você não poderia ligar pra delegacia e pedir uma medida protetiva como você pede uma pizza.
Realmente não fiz uma representação fiel da realidade, mas acho que isso está previsto na arte, especialmente na ficção. A forma como as pessoas falaram foi bizarra, teve uma moça que falou que eu era uma inútil, que fazia mais mal do que bem pro feminismo e que deveria parar de fazer arte. Teve gente que falou que sou muito arrogante. Respondi essas pessoas, falei que achava que uma obra de ficção não tem que ser 100% fiel à realidade, que a gente tem que saber procurar informação em lugares que realmente são informativos.
As pessoas acham muito que são as únicas pessoas do mundo, mandam mil mensagens às três da manhã e se não respondo ficam chateadas. Elas são muito carentes e ao mesmo tempo tem essa visão fechada sobre mim e todas as pessoas que elas seguem. É muito bizarro estar nessa posição.
No começo minha ideia era fazer uma webcomic só para o Instagram e quem sabe publicar um livro depois. Só que foi crescendo, o roteiro ficando complexo demais pra os dez quadros que o Instagram permite a cada post, e decidi estruturar melhor. Transformei em livro e me libertei um pouco do formato do Instagram.
Não pensei em estrutura de página porque fiz só os quadradinhos do Instagram, mas ao mesmo tempo foi difícil porque tive que pensar num começo meio e fim antes de começar a escrever, ter a história inteira em mente antes de começar. Numa tirinha você tem que resumir muitas coisas, ser didática e ter um humor bem específico. Mas um livro inteiro é tanta coisa que pode dar errado. Às vezes você escreve um negócio e a pessoa, “Ah, mas no capítulo anterior você falou que a mãe da tia da fulana não era essa pessoa que está aparecendo” e era uma coisa que você nem tinha pensado, e tem que voltar e amarrar. E outras coisinhas que eu não me atentava antes, detalhes de cenários, tem vários quadros da casa da Dora que somem ou mudam de lugar porque eu esqueci que eles existiam. E vai indo.
São aprendizados, e ao mesmo tempo também aprendi muito sobre edição de livro, design, montagem gráfica, que é uma coisa que eu nunca fiz e não estou acostumada a fazer. Está sendo um desafio imenso mas muito legal, estou aprendendo muito.
Estou com uma participação numa certa coletânea muito interessante sobre histórias LGBT que uma certa amiga querida me convidou pra fazer, estou trabalhando nela agora nos momentos vagos.
Tenho mais um projeto na manga, que é um relato de viagem. Fui pro Atacama com a minha irmã enquanto a campanha estava rolando, e quero fazer um quadrinho mais longo, sobre a viagem mas também sobre a nossa relação e a nossa história. Quero colocar umas coisas meio Alison Bechdel de passado, crescimento, amadurecimento. Não tem roteiro, fui fazendo ao longo da viagem e agora vou colocar umas histórias de infância costurando esses registros.
Também tenho alguns outros projetos que ainda não tive tempo pra fazer. Um deles chama Lampréia, que é um livro mais focado no público infantil. Quero que seja um quadrinho sem falas, e é baseado na história real de um pescador que encontra um pinguim no barco dele, e não tem como voltar pra terra, então ele acaba cuidando desse pinguim durante um mês e depois precisa devolver esse pinguim pro Projeto TAMAR. Quero fazer uma coisa bem bonitona, com menos páginas, mas bem expressivo em termos de desenho. Mas acho que ainda precisa estudar bastante pra fazer isso.
Pra quem ainda não acompanha, o trabalho de Helô D`Ângelo pode ser encontrado no Instagram.