Cobertura Poc Con 2019
Estivemos na Primeira Feira LGBTQI+ de Quadrinhos e Artes Gráficas, em SP
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Estivemos na Primeira Feira LGBTQI+ de Quadrinhos e Artes Gráficas, em SP
Anualmente o mês de junho, geralmente durante o feriado de Corpus Christi, São Paulo recebe um dos maiores eventos da cidade: a Parada do Orgulho LGBTQI+. Acompanhando o grande desfile, dezenas de iniciativas voltadas à visibilidade e representatividade pipocam durante o período. Este ano tivemos uma grata adição ao calendário: a Poc Con.
Idealizada e organizada pelos quadrinistas Mário César e Rafael Bastos Reis, a feira de quadrinhos e artes gráficas aconteceu no dia 22 de Junho.
“A Poc Con nasceu para dar visibilidade ao trabalho de autores LGBTQ+ de quadrinhos e artes gráficas e mostrar que não somos nenhuma ameaça à sociedade, apenas queremos fazer parte dela e sermos tratados com respeito e dignidade. O evento nasceu para mostrar também que arte é trabalho e indústria e não coisa de vagabundo mamando na teta do Estado com Lei Rouanet…”, explicou Mário.
Com 50 mesas disponíveis para artistas escolhidos por meio de uma seleção criteriosa, a Poc Con contou com um número maior de mulheres em relação aos homens, sete artistas trans, seis não-binários e sendo metade negros, pardos, orientais ou indígenas.
Dessa vez, os holofotes estavam em artistas que normalmente ficam um pouco escondidos em outras feiras. “Conseguimos alguns autores que já são grandes nomes para os bate-papos, como a Laerte e o Picolo. E muitos outros selecionados que participaram pela primeira vez de um evento”, contou o organizador.
Mais do que uma feira de quadrinhos
Alguns dias antes da feira, a Disney incluiu uma apresentação sobre o evento em sua programação do mês de diversidade e inclusão. Além dos organizadores da Poc Con palestraram também Flávia Borges, autora bissexual negra periférica, e Cecilia Souza Santos, artista transexual.
Além disso, durante a semana que antecedeu a feira, foram organizados quatro bate papos sobre diversos temas representativos em parceria com a Casa1, uma ONG de acolhimento de LGBTs expulsos de suas residências.
O primeiro deles foi realizado no sábado, dia 15/06, com o tema “Quadrinhos Sem Medo”. Aline Zouvi, Mário César, Raquel Vitorelo debateram, com mediação de Daniel Esteves, do HQ em Foco, e depoimento em vídeo de Luiza Lemos, sobre a importância da produção de quadrinhos com temáticas LGBTQ+, a militância política e representatividade como caminho de incentivo a novos artistas e a importância do posicionamento contra estereótipos heteronormativos.
No dia 19/06 aconteceu a mesa “O Futuro é Feminino” com Lovelove6, Monique Moon, Orange Night Girls, Dika Araújo, SCREWP e mediação de Clarice França, do site Nebulla. As participantes discutiram sobre os desafios de ser uma mulher que trabalha com arte, o machismo e a sexualização das mulheres enraizados no mercado e as dificuldades ainda maiores de artistas negras e trans.
No dia seguinte, 20/06, foi a vez de ouvirmos artistas negrxs no debate “Mais Melanina, Por Favor”. Flávia Borges, Johncito, Nina Satie, Marco ByM, com mediação de Andreza Delgado, da Perifacon, debateram sobre a importância da presença negra em produções como forma de reduzir estereótipos sociais e os grandes desafios de ser um LGBT negrx num mercado predominantemente branco e machista.
O último “esquenta” para a Pon Con aconteceu no dia 21/06, com Alice Pereira, Yuri Amaral, Ellie Irineu, Camila Abdanur e mediação de Paula Ferreira, modelo transexual. Com o tema “Nem Rosa e Nem Azul” xs artistas conversaram sobre caminhos para quebra do padrão de gênero e binarismo na produção de histórias em quadrinhos e meio nerd em geral. Um dos maiores desafios citados foi o de produzir histórias que não sejam necessariamente dramas pelos quais passam pessoas trans ou não binários e como ser reconhecido independentemente de gênero.
“Existe este peso das pautas que está sempre presente pelo simples fato de existirmos em uma sociedade em que tanto não toleram nossa existência, mas a Poc Con é uma celebração da diversidade acima de tudo”, explicou Mário.
O grande dia
A expectativa era que o evento recebesse um público tanto de pessoas LGBTQ+ quanto de pessoas interessadas em conhecer novos artistas.
Com uma fila de mais de hora para entrar e que cedeu apenas muito perto do horário de encerramento, a Poc Con recebeu mais de 2000 visitantes. Em um salão com espaço reduzido era até um pouco complicado andar pelos corredores entre as mesas, mesmo com um controle de entrada. Durante as apresentações de lipsync dos cosplays, a frente do palco fervilhava de espectadores.
Para a quadrinista paulistana Helô D’Angelo, a importância da Poc Con está em mostrar que existe um público que vai muito além do que se imagina, que quer consumir quadrinhos e artes gráficas em geral. “Não são só os caras hetéros, brancos e de classe média alta que consomem quadrinhos. Na verdade existe um público muito maior. Mulheres, LGBTs, pessoas não brancas, da periferia. Como esse evento é gratuito, vejo um público diferente, que pergunta muito, que não vem já achando que sabe tudo sobre o seu trabalho e quer muito aprender com você”, disse.
A quadrinista Aline Zouvi apontou que a visibilidade também é uma questão de sobrevivência para uma pessoa LGBTQI+ e que o evento é essencial para se ter consequências concretas para uma mudança que já faz tempo que precisa existir. “O quadrinho em si já traz visibilidade, mas o fato dessa visibilidade ser institucionalizada faz toda a diferença, faz uma diferença política. É um tipo de sobrevivência de artistas que não é só financeiro”, disse. “Por um lado é massa reunir todo mundo numa CCXP, mas eu acho muito saudável e muito produtivo ter eventos de nicho como a Poc Con, porque acaba dando um pouco mais de espaço para quem precisa ainda construir seu próprio público.”
Para Flávia Borges, feiras mais nichadas como Poc Con e Perficon são essenciais, para que seja possível ocupar todos os espaços e não ter diversidade apenas em nichos. “Tem que ter diversidade em feiras que não sejam só LGBT, temos que ocupar em todos os lugares.”
A carioca Alice Pereira era uma das estreantes em feiras e considera a iniciativa bem importante, ainda mais no momento em que o país vive hoje. “Com forças conservadoras, a gente se afirmar num evento como esse, mostrando tantos artistas LGBTs e tantos trabalhos maravilhosos. O evento tá pequeno, tem que ser duas vezes maior, pelo menos.”
Luiza Lemos, quadrinista de Paraty, concorda: “a gente precisa disso nesse momento. Serve muito para educar, poder transmitirinformação, esclarecer o público quanto às questões LGBT. Esse evento conseguiu somar as coisas, conseguiu trazer um público que normalmente frequenta eventos de quadrinhos aqui em São Paulo e trazer um público LGBT também que nem sempre está frequentando eventos como esse”.
Gabriela Masson, a Lovelove6, artista de Brasília, falou bastante sobre o consumo de produções artísticas: “É muito importante que a Poc Con surja nesse momento difícil do governo Bolsonaro em que a população LGBT está sendo perseguida”.
Além do beco dos artistas, a feira ainda contou com uma programação especial de palestras na Biblioteca Viriato Corrêa. Foram cinco mesas:
– “Cores em Movimento” com artistas do mercado de animações voltadas para o público infantil. Os convidados foram Heitor PC, Bela Nogueira, João Godoy, Fits e mediação de Leonardo César.
– “Quadrinhos Contra a LGBTQfobia”, uma palestra sobre como as hqs podem ser uma ferramenta contra o preconceito LGBTQ ministrada pela Dani Marinho, do site Minas Nerds.
– “Transando com Laerte” ofereceu um bate papo com uma das primeiras pessoas a levar a discussão de gênero para a grande mídia, Laerte, e mediação de Luiza Lemos;
– “Poc Tipo Exportação” foi outro bate papo, mas desta vez sobre o mercado internacional com Gabriel Picolo e mediação de Germana Viana;
– “Saindo do armário” foi a última grande mesa com Sasyk, Talles Rodrigues, Helô D’Angelo , Motoka e mediação de Clarice França, sobre a produção de quadrinhos com temáticas LGBTQ+.
Para Mário, organizador do evento, é importante que outras feiras de quadrinhos selecionem e convidem mais autores LGBTQ+, mulheres e pessoas não brancas. “A Poc Con está aí para mostrar que estes autores existem e estão em número cada vez maior, eles só precisam de oportunidade. As grandes feiras precisam orientar seguranças e equipe de organização a não tolerarem episódios de preconceito contra minorias até porque agora homofobia e transfobia são crime também”, disse.
A expectativa é que seja organizada uma nova edição em breve. Agora nos resta esperar pela próxima data e sempre apoiar e celebrar iniciativas que incentivem a representatividade no meio dos quadrinhos.