3 HQs que duram mais que a leitura
3 quadrinhos que irão ficar com você bastante tempo depois de você terminar sua leitura
Quer receber novidades sobre histórias em quadrinhos? Inscreva-se!
3 quadrinhos que irão ficar com você bastante tempo depois de você terminar sua leitura
Não sei como você costuma classificar as produções que aprecia, mas aposto que já se deparou com alguma obra que, ao tentar buscar na memória sobre o que ela se tratava, você não conseguiu porque provavelmente ela entraria na categoria “esquecível”.
Trabalhos ruins demais a gente não esquece, os muito bons, também não, mas quando uma narrativa não te traz nada de surpreendente ou novo, bom, aí a gente esquece mesmo e tudo bem, afinal, nem tudo que existe é pra ser lembrado mesmo.
Mas hoje trago aqui 3 quadrinhos bem diferentes entre si e cuja atribuição de valor é muito pessoal, mas os 3 compartilham algo em comum: dificilmente você vai parar de pensar sobre eles quando fechar o livro no fim.
Explico:
Juízo, da Amanda Miranda, me foi apresentado como um quadrinho de terror feminista. Então, minha leitura acabou sendo condicionada a isso, a tentar identificar o que faria dessa HQ um terror feminista. O curioso é que à primeira leitura eu não me senti tão impactada, embora tenha me identificado, mas veja, tem mais de um mês que li Juízo e os desenhos da Amanda me vêm à cabeça frequentemente.
Amanda é um dos grandes expoentes de uma geração de quadrinistas cujos trabalhos se superam e nos surpreendem incessantemente. É muito difícil encontrar uma arte da Amanda e não ser sugado para dentro dela, tentando entender cada detalhe. Então, o que ela faz em Juízo é isso, instigar o leitor a seguir a leitura apesar do desconforto que algumas imagens podem trazer, principalmente para quem já tem medo de dentista. Ou seja, ela não subestima o leitor, ela o convida a interpretar aquelas imagens a partir do seu próprio repertório, de forma que cada um acaba construindo uma nova história.
Nessa HQ acompanhamos uma mulher às voltas com uma consulta ao dentista. Tudo que se sucede antes de ela chegar ao consultório nos remete a situações de abuso e sobrecarga emocional que estatisticamente, acomete especialmente as mulheres cis, mais ainda se elas forem negras. Então, o medo do dentista parece até pequeno diante da agonia e sensação de sufocamento que experimentamos ao saber o que se passa na cabeça daquela mulher que poderia ser eu ou alguém que eu conheço.
Já as imagens gráficas do tratamento dentário são um show para quem curte um body horror, mas extremamente perturbadoras se você não está acostumado com isso e é por isso que Juízo te acompanha por muito tempo após o término da leitura: seja porque eventualmente você precisa ir ao dentista e vai ficar ainda mais traumatizado depois de ler o quadrinho ou porque, se assim como eu, você é uma mulher, sabe que há muitas violências que fazem a ida ao dentista parecer um passeio no parque.
Para comprar Juízo (corra que a edição é limitada ao estoque da Amanda), clique aqui.
Publicada pela editora Hipotética, a sueca Coco Moodysson nos presenteia com uma autobiografia inusitada da sua adolescência. Imnusitada por narrar a vivência dela sendo uma pré-adolescente punk com uma mãe meio doida, ou seja, muita coisa poderia ter dado errado no processo. Seja porque você vai se identificar com as personagens ou se chocar com as situações vividas por elas, essa HQ vai permanecer na sua cabeça por um bom tempo por vários motivos, mas o principal deles, é que se convive com crianças ou conhece quem conviva, vai perceber que a juventude em um país com índices de criminalidade e de desigualdade social bem menores que os nossos, podia exercer uma liberdade que não podíamos na mesma idade que a autora se situa na história.
E se você, assim como eu, teve uma infância rockeira, bom, em vários aspectos é como ler a sua história sendo contada em quadrinhos e isso pode causar uma estranha sensação de dejavu.
Boa Noite, Jamais também acaba retornando à memória cada vez que recebemos notícias sobre jovens e as redes sociais, pois os impactos das redes moldam a juventude hoje de uma forma que nem mesmo o rock deve ter moldado e potencialmente bem mais perigosa. Nesse sentido, ao narrar de forma cronológica uma série de eventos em sua vida de pequena punk rocker, Coco também nos traz uma certa nostalgia e talvez, um pouco de ingenuidade nas falas daquelas meninas que poderiam muito bem ser minha filha e suas amigas.
E pra além de tudo isso, é sempre incrível conhecer trabalhos pouco prováveis de termos acesso, como o de Coco. Tive a sensação de estar lendo um diário de uma grande amiga de infância.
Já Aloha, da Uruguaia Maco, que também saiu pela Hipotética, é aquele quadrinho que brinca com a linguagem dos quadrinhos, suas possibilidades narrativas, tudo envolto por uma aura onírica que nos remete aos nossos sonhos mais malucos.
Aloha é uma HQ ótima para quem, como eu, estuda quadrinhos. Ela faz uma conexão entre a fantasia e a teoria narrativa que leva o leitor a uma viagem inusitada.
Se você já assistiu a animação Waking Life (um dos meus filmes favoritos ever), pode enxergar alguma similaridade no fato do avatar da Maco na HQ não deixar claro se ela está sonhando, se está apenas viajando ou se “de fato” ela percorreu aquelas linhas para além das metáforas visuais que encontramos ali.
Trecho da entrevita deita pela Gabriela Güllich (Entre Quadros)
É uma HQ com pouquíssimo texto, uma experiência majoritariamente visual, embora você consiga enxergar uma narrativa ali, além de muitas vezes se deparar com interações mais filosóficas, como quando ela conversa com a morte. E são essas imagens que muitas vezes podem parecer um tanto desconexas, que provavelmente irão lhe render os sonhos mais inconcebíveis pelo tempo que sua memória conseguir recuperar essa experiência.
A Gabriela Güllich conversou com a Maco e você pode conferir essa entrevista aqui
Serviço:
As HQs da Hipotética podem ser adquiridas aqui: https://loja.hipotetica.com.br/produtos/boa-noite-jamais/
Daniela Marino é pesquisadora de quadrinhos e questões de gênero, graduada em letras, mestre em comunicação e doutoranda em ciência da informação.
Clique aqui e apoie a Mina de HQ!
Dani Marino é especialista em histórias em quadrinhos e questões de gênero. Mestre em Comunicação e doutoranda em Ciência da Informação pela ECA/USP, também atua como professora de Literatura Inglesa. Ganhadora de 2 troféus HQMIX com o livro Mulheres e Quadrinhos, que organizou com Laluña Machado, já colaborou com diversos sites e canais especializados em cultura pop.