Novos quadrinhos chegando
O que é estar dentro do padrão de beleza? E ser normal? As quadrinistas Helô D’Angelo e Helena Cunha refletem sobre essas questões e abordam o desafio da autoaceitação em seus novos livros
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O que é estar dentro do padrão de beleza? E ser normal? As quadrinistas Helô D’Angelo e Helena Cunha refletem sobre essas questões e abordam o desafio da autoaceitação em seus novos livros
O que é estar dentro do padrão de beleza? E ser normal? As ilustradoras e quadrinistas Helô D’Angelo e Helena Cunhas refletem sobre essas questões e abordam o desafio da autoaceitação nos livros Nos olhos de quem vê e Normal, respectivamente.
O primeiro está em pré-venda (R$ 59,90) e tem publicação prevista para 15 de novembro, pela HarperCollins; o segundo pode ser apoiado na plataforma de financiamento coletivo Catarse (a partir de R$ 50), até 8 de novembro, com entrega em janeiro de 2023. Os últimos trabalhos de Helô, Isolamento, e Helena, Boa Sorte, fizeram muito sucesso, consolidando os nomes das duas entre os mais relevantes do quadrinho nacional e aumentando a ansiedade do público por novas histórias produzidas por elas.
Em Nos olhos de quem vê, o primeiro livro que lança por uma editora, Helô D’Angelo compartilha várias fases da insatisfação com o próprio corpo:
“Eu acabei indo pra lugares bem difíceis, de lembranças bem complicadas, relação com a minha mãe, porque querendo ou não a relação dela com beleza também influenciou a minha, histórias de família difíceis de revisitar. Recentemente eu descobri que a minha avó tinha uma espécie de compulsão por vomitar, tinha bulimia. Quer dizer, não era bulimia, na época não se chamava de bulimia, mas ela tinha uma coisa que minha mãe me contou e eu coloquei isso no livro”.
Helô conta que o processo de produção da HQ foi bem livre. Partindo de desenhos e escrita com caneta Bic em folhas de fichário, ela pôde colocar bastante coisa no papel, sem filtros. “Foi muito difícil revisitar tudo isso, mas ao mesmo tempo foi muito bom pra mim porque eu já queria há muito tempo escrever um livro sobre isso e só não encontrava o momento certo. Foi no finzinho da pandemia, depois que eu terminei ‘Isolamento’, tava meio ansiosa pra fazer outra coisa, outro livro e aí comecei a escrever esse, dessa forma”.
Com o término de um relacionamento de oito anos bem no meio do processo de produção do livro, Helô se reconectou não apenas ao passado, mas ao presente e a si mesma. “Então apesar de ter sido difícil, foi um bom mergulho em mim, retomar quem eu sou, me reconectar comigo, rever minha beleza, que era uma coisa que tava muito jogada no meu ex-namorado, muito depositada nele. Então foi bom, mas foi bem difícil mesmo. Houve momentos que eu revisitei que eu precisei falar com as minhas amigas, pedir um colo, porque tava bem difícil“.
A autora, que descreve Nos olhos de quem vê como uma jornada em direção ao amor próprio, acredita que esta é uma caminhada pra vida inteira. “Não sei se a gente chega num momento de só se amar. Eu costumo dizer que são dois passos pra frente e um pra trás. Tem dias que você se olha no espelho e fala: ‘Meu Deus, que horror!’. E tem dias que você se olha e fala: ‘Nossa, que gostosa!‘. Então eu acho que aceitar essas mudanças de como você se vê também faz parte de se aceitar, de chegar num amor próprio, de aumentar seu amor próprio, de alimentar a sua autoestima. O mundo é um lugar que faz a gente se ver de um jeito horroroso mesmo e às vezes ficar se cobrando se ver de um jeito incrível sempre também cria uma pressão que não é legal“.
Helô tem postado trechos do novo livro nas redes sociais às terças, quintas e sábados, e diz que a recepção do público tem sido muito boa.
“As pessoas têm se identificado muito com as tirinhas. O que por um lado é muito incrível, porque quer dizer que o meu trabalho tá sendo bem feito, então eu fico muito feliz, por poder acompanhar as pessoas dessa forma, mas por outro também é muito triste que muitas pessoas se identifiquem com coisas terríveis da minha própria vida. Mas tá sendo incrível porque as pessoas se sentem acompanhadas, agradecem, eu consigo conversar com algumas pessoas sobre isso. Até vários homens cis estão se identificando, apesar de ser um livro focado em mulheres”.
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Quem também compartilha trechos do novo trabalho nas redes sociais, mas de terça a sexta, às 20h, é Helena Cunhas. O livro de estreia da quadrinista, Boa Sorte, arrebatou os leitores, e grande parte do público torceu por uma continuação, mas “Normal” é uma história completamente diferente. Normal é mais curta e voltada para o humor de uma situação absurda. O ponto em comum entre as duas é que as protagonistas são adolescentes lésbicas que ainda estão percorrendo o caminho para a autoaceitação, mas enquanto em Boa Sorte a descoberta da sexualidade era só mais uma coisa que a Julieta estava lidando, em Normal é o pesadelo da Clarinha e é o que desencadeia toda a história”.
Clarinha, a protagonista de Normal, tem 18 anos e é apaixonada pela amiga Júlia, que namora o baterista bonitão da igreja. Clarinha é vestibulanda, nunca deu trabalho e reza diariamente para ser o que se espera dela, mas, cansada de ter as preces ignoradas, decide recorrer ao demônio… Neste trabalho de 100 páginas Helena usa novamente a sensibilidade para abordar um assunto muito complexo.
“A cura gay é uma violência terrível e um conceito ridículo. Minha intenção com o livro é escrachar o quão ridícula é essa ideia de querer mudar a essência da pessoa, o afeto. A Clarinha é uma menina religiosa, criada na religião, e acredita no inferno, no demônio, pecado… mesmo assim ela chega ao ponto de fazer um pacto com o demônio para deixar de ser lésbica, porque a autorrejeição e a rejeição que ela sabe que vai enfrentar no meio em que vive são tão grandes que ir contra tudo o que ela acreditou a vida inteira parece uma opção menos ruim. A maioria das pessoas LGBTQIA+ conhece essa sensação. Muitos de nós em algum momento da vida teriam dado qualquer coisa para ser o que é considerado normal e chegaram à (dolorosa) conclusão de que era impossível. Minha ideia com essa história é rir, não do sofrimento muito real da Clarinha, mas da ideia idiota de que alguém precise de conserto por amar diferente”, diz a autora.
Helena afirma que escreve o que gostaria de ter lido, e dedicou Normal àqueles que “lutaram com todas as forças para ser qualquer coisa que não si mesmos e perderam”: “A vontade de ‘se consertar’ é muito comum entre pessoas LGBTQIA+. Chegar até a autoaceitação costuma ser um processo muito doloroso e muito solitário, antes de se aceitar a gente faz de tudo para tentar ser da maneira que é tida como correta. E nada funciona. Ainda bem! Perder essa luta contra nós mesmos é nossa grande vitória”.
Anne Ribeiro é jornalista, de Belém (PA). No perfil @pralerhq ela escreve sobre quadrinhos para debater política, questões de gênero e universo LGBT.
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