Escrever personagens femininas
A pesquisadora Daniela Marino dá dicas para produzir histórias em quadrinhos sem representações machistas
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A pesquisadora Daniela Marino dá dicas para produzir histórias em quadrinhos sem representações machistas
Mulheres que atuam no meio dos quadrinhos frequentemente recebem esse tipo de pergunta, sejam elas desenhistas, roteiristas, jornalistas… E a verdade é que, apesar dos diversos sites, pesquisas, vídeos, tutoriais disponíveis online, ainda é esperado de nós disponibilidade 24h por dia em uma espécie de FAQ feminista dos quadrinhos. Então, se você precisa daquela consultoria gratuita sobre o assunto, seus problemas acabaram! Obrigada, de nada!
Arte de Renae De Liz
A primeira regra para desenvolver uma personagem feminina sem pesar a mão no sexismo é deixar de ser machista, ou seja, é preciso que o interesse no que as mulheres dizem sobre a constante sexualização das personagens seja real, do contrário, o risco de sua representação ser superficial é enorme. Isso envolve aceitar que se você é machista, muito provavelmente a sua representação de uma mulher também será e deixar de ser machista envolve um processo de desconstrução e escuta atenta para a vida toda.
Deixar de produzir uma representação machista envolve o mesmo tanto de o estudo que feministas estudam para entender o impacto de séculos de invisibilização, violência, sub-representação nas produções, então, por que não começar respondendo a essas perguntas: quais são as mulheres envolvidas com quadrinhos que você segue e admira? De que forma elas representam outras mulheres? A produção dessas mulheres é coerente com uma prática feminista? Quantos cursos e tutoriais oferecidos por mulheres você já fez? Que outras obras além dos quadrinhos produzidas por mulheres você consome? Como é sua relação com as mulheres do seu convívio? O quanto você está de acordo com teorias feministas?
Arte de Fernanda Nia
Ao longo dos séculos mulheres têm produzido questionamentos e reflexões sobre a forma como nós somos representadas em todas as áreas, desde a política à arte. Quantos desses trabalhos você consumiu ao longo dos anos? Leu o ensaio da Laura Mulvey sobre o male gaze? Leu Um teto todo seu da Virginia Woolf? Leu Lugar de Fala da Djamila Ribeiro?
– Aprofunde a personalidade das personagens. Mulheres costumam ter negado seu direito à complexidade. Em sua tese de doutorado, Ediliane Boff demonstra que frequentemente as mulheres estão sujeitas a apenas dois tipos de representações: a de santa ou a de puta. Isso quando não existem apenas como interesse romântico de algum personagem ou quando não servem apenas de trampolim para o desenvolvimento do personagem masculino: a namorada morta, a amiga estuprada, a vítima que precisa ser salva, como se elas pudessem existir para que homens tomem atitude a partir da violência infligida a elas, nunca porque de fato querem combater bandidos ou algo assim. Não à toa, a roteirista Gail Simone criou uma lista nos anos 90 com as personagens femininas que se encontravam nessa situação;
– Faça cursos de desenho com mulheres;
– Consuma quadrinhos de mulheres e as siga em suas páginas;
– Conheça os tropos narrativos que são tóxicos para as mulheres. Alguns deles têm nome como: nasci sexy ontem; male gaze, manic pixie girl, …;
– Consuma crítica de quadrinhos produzidas por mulheres.
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Daniela Marino é especialista em quadrinhos e questões de gênero, integrante da associação de pesquisadores em arte sequencial – ASPAS e mestre em comunicação pela ECA/USP. Ganhadora de 2 troféus HQMIX com Laluña Machado pela organização do livro Mulheres e Quadrinhos, da editora Skript o e doutoranda do programa de ciência da informação na USP sobre crítica especializada em histórias em quadrinhos a partir de uma perspectiva de gênero. Contato: [email protected]
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Dani Marino é especialista em histórias em quadrinhos e questões de gênero. Mestre em Comunicação e doutoranda em Ciência da Informação pela ECA/USP, também atua como professora de Literatura Inglesa. Ganhadora de 2 troféus HQMIX com o livro Mulheres e Quadrinhos, que organizou com Laluña Machado, já colaborou com diversos sites e canais especializados em cultura pop.