A potência de um encontro
Alguns encontros são tão potentes que chegam a mudar o curso de nossas histórias.
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Alguns encontros são tão potentes que chegam a mudar o curso de nossas histórias.
Eu costumo dizer que alguns eventos definiram a pesquisadora que sou hoje e a mulher que tenho me tornado também. Um desses eventos foi o encontro com a quadrinista Trina Robbins, promovido pela Associação de Pesquisadores em Arte Sequencial – a Aspas – em 2015.
Esse encontro me marcou tanto porque tive a oportunidade de ouvir a Trina contando com o machismo no meio dos quadrinhos a afetou nos anos 1970 nos EUA e o que me impressionou nesse dia foi que os relatos de violências e apagamentos constantes sofridos pelas quadrinistas brasileiras presentes, tantas décadas depois, não eram tão diferentes do que a Trina havia passado.
Foi nesse dia que eu decidi que deveria fazer alguma coisa para lutar contra esse machismo no meio dos quadrinhos e de lá pra cá, posso dizer que algumas coisas evoluíram, melhoraram, ainda que tenhamos muito trabalho pela frente. Foi quando conheci Gabriela Borges, fundadora e editora-chefe da Mina de HQ. Ela sempre diz que esse encontro também foi importantíssimo para a criação da MHQ. Na época, ela publicou uma entrevista com Trina na Revista Tpm.
Um outro evento marcante foi o encontro presencial das Lady’s Comics em Belo Horizonte, em 2016. Ouvir tantas mulheres falando sobre como eram acometidas pela síndrome da impostora e das dificuldades para que seus trabalhos circulassem, só reforçou minha certeza de que eu deveria seguir atuando na pesquisa da produção feminina de quadrinhos a fim de pensar meios de subverter essas crenças e práticas tão enraizadas. Outro evento fundamental para a criação da Mina de HQ.
O que nos traz à Bienal de Quadrinhos de Curitiba, que contou com a Mina de HQ como embaixadora do evento, além de uma curadoria toda voltada para resistência e a existência de pessoas diversas nesse meio. Só por isso, o evento já foi incrível e recebemos vários feedbacks extremamente positivos, não só da nossa participação super elogiada, mas de artistas presentes que se sentiram aliviades de participar de um evento em que não precisavam ter medo em participar de mesas e debates temáticos sob o risco de serem as únicas pessoas LGBT ali ou as únicas mulheres.
Mas para além disso, eu e algumas quadrinistas, além da Gabi Borges e da Gabriela Güllich, pudemos conversar com a quadrinista francesa Chantal Montellier, convidada da Bienal (aqui falamos sobre seu trabalho e aqui você lê a entrevista que fizemos com ela).
Chantal é uma grande inspiração como um símbolo de resistência e de luta contra o machismo na França por meio de seus quadrinhos e atuação. Criou o prêmio Artemísia, que premia apenas quadrinistas mulheres, em resposta ao apagamento e ao machismo constantes de Angouleme. Por isso, presenciar artistas tão jovens emocionadas em conhecer a Chantal, me remeteu ao encontro com a Trina há 8 anos. Dessa vez, as pessoas ali presentes puderam contar sobre suas produções em vez de falarem sobre o machismo que ainda sofrem no meio e isso é certamente um grande avanço. As redes sociais possibilitaram que pessoas do Brasil inteiro tivessem acesso a Arlindo, por exemplo, puro suco de Brasil e que ainda não é conhecido lá fora como deveria, mas ao menos, saiu do Rio Grande do Norte e alcançou leitores em todas as regiões do país.
Não sei se quem me lê consegue mensurar a importância desses encontros tanto para quem pesquisa, como para quem produz, mas posso dizer que a potência desses eventos move algumas montanhas. Há uma aura meio mística envolvida no fato de alguém mais velha poder viver de quadrinhos e se destacar por sua produção, isso nos nutre de esperança de que é possível, de que estamos no caminho certo. É uma sensação difícil de explicar. As trocas que experienciei durante a Bienal, assim como tem ocorrido em eventos presenciais pós-pandemia, têm tido um apelo e significado muito especiais, que me motivam muito e me lembram do porquê eu devo seguir fazendo o que eu faço apesar de todo desgaste físico, emocional e financeiro envolvidos.
Como pesquisadora, eu sei que algo aconteceu nesses encontros e me orgulho de poder presenciar e registrar esses momentos, porque eu sei que devo muito a cada um deles. Eles moldam quem eu sou e eu gosto disso.
Daniela Marino é pesquisadora de quadrinhos e questões de gênero, graduada em letras, mestre em comunicação e doutoranda em ciência da informação.
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Dani Marino é especialista em histórias em quadrinhos e questões de gênero. Mestre em Comunicação e doutoranda em Ciência da Informação pela ECA/USP, também atua como professora de Literatura Inglesa. Ganhadora de 2 troféus HQMIX com o livro Mulheres e Quadrinhos, que organizou com Laluña Machado, já colaborou com diversos sites e canais especializados em cultura pop.