“Lily”: abuso sexual em HQ
Conversamos com Juliana Lossio sobre como ela aborda temas como pedofilia e sobrevivência na HQ “Lily”
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Conversamos com Juliana Lossio sobre como ela aborda temas como pedofilia e sobrevivência na HQ “Lily”
Juliana Lossio criou a personagem Lily a partir das próprias vivências e escolheu divulgar a HQ gratuitamente para que a obra, que aborda assuntos como pedofilia e abuso sexual infantil, chegue a todas as pessoas. Nesta entrevista, ela fala sobre a recepção dos leitores, as cobranças feitas às sobreviventes de violência sexual e ainda sobre o que espera que meninas e mulheres reais tirem desse contato com a personagem que caça pedófilos e estupradores na ficção. A primeira parte da HQ Lily pode ser encontrada no Instagram da artista (@julianalossioart) e no Tapas (tapas.io/series/Lily1/info).
Criar a Lily, a história dela e tudo que eu passei graças a ela, fez com que eu conseguisse lidar melhor com meus próprios sentimentos. Me ajudou a lidar com a culpa, principalmente… Me sinto mais corajosa sempre que penso nela. Ela definitivamente faz parte do meu processo de amadurecimento e de certa forma de “cura”.
“Muito se fala sobre ‘perdão’ e ‘viver em paz’ quando muitas vezes isso simplesmente não é possível”
Falar sobre isso na real foi meu ponto de partida. Pouco se fala sobre como sobreviventes se sentem sobre o abuso sofrido e muito se fala sobre “perdão” e “viver em paz” quando muitas vezes isso simplesmente não é possível. Sempre quis que sobreviventes entendessem que não tem nada de errado em sentir essas coisas. Fingir que não sente só pra manter uma postura de que “superou” e que está “tudo bem” é o que faz com que a gente fique doente. A Lily esconde todos os sentimentos dela, principalmente a culpa, que eu acho que é o mais doloroso, mas eles se manifestam distorcendo a imagem dela, então ela não tem como fugir. Todas as vezes que ela se olha no espelho eles estão lá… E além disso, ela sofre de despersonalização, um transtorno muito comum entre vítimas de abuso, o que também contribui com a distorção da imagem dela e isso também é pouco discutido.
Acredito que uma história que aborda assuntos como pedofilia e abuso sexual infantil, sendo narrada da perspectiva de uma sobrevivente, precisa ser consumida por todos, sem exceção, por isso escolhi postar de graça. Fico pensando que na época que sofri os abusos, gostaria de ter conhecido uma personagem igual a Lily.
Tem sido muito gratificante! Essa HQ se tornou um projeto enorme, maior do que eu esperava e tenho me dedicado muito à produção dela. Então, ver que as pessoas estão gostando, se identificando com a Lily, esperando por mais (e às vezes até achando que a história é verídica) é bem legal.
No momento, eu tô dando uma pausa pra poder produzir outras coisas. Tirando as pessoas que me ajudam em questões técnicas da HQ, eu desenho, monto as páginas, escrevo e pinto tudo sozinha, então, consome muito tempo. Eu já tenho boa parte escrita, isso eu posso falar (risos). E sim, tenho planos de lançar física.
“Quero que essa obrigação que temos em ter que perdoar abusadores fique no passado e que não nos culpem por decidir isso”
Acho que essas reações vêm da pura ignorância, já que a maioria das ameaças e ataques que recebi foi de pessoas que também se diziam ser contra pedofilia. O que acontece é que não estão acostumados a ver uma mulher recusando o papel de vítima e de certa forma se vingando e reagindo à violência. A melhor forma de lidar é se manter firme e continuar criando. Foi o que eu fiz quando recebi ameaças.
Espero que elas se sintam fortes e que entendam que não tem nada de errado em sentir ódio e vontade de vingança, pois esses sentimentos são transformadores e não precisam vir carregados de autoflagelo. São sentimentos válidos, sentimentos que muitas vezes nos mantêm vivas… Não faria sentido não sentir isso depois de ter o corpo invadido, entende? Quero que essa obrigação que temos em ter que perdoar abusadores fique no passado e que não nos culpem por decidir isso. Espero que vendo a Lily reagindo e machucando pedófilos faça com que fique claro quem merece punição. Quero ver sobreviventes vivas, sem carregar culpa, e espero que a Lily passe isso pra elas.
Anne Ribeiro é jornalista, de Belém (PA). No perfil @pralerhq ela escreve sobre quadrinhos para debater política, questões de gênero e universo LGBT.
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