Minha avó lia quadrinhos
Sâmela Hidalgo conta que as histórias em quadrinhos entraram em seu destino por conta da avó, Nazareth
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Sâmela Hidalgo conta que as histórias em quadrinhos entraram em seu destino por conta da avó, Nazareth
Querida leitora, você acredita em destino?
Então, sente, fique confortável e prepare uma bebida, porque hoje vou te contar como minha história com os quadrinhos foi escrita muito antes que eu mesma nascesse. Minha profissão foi destinada a mim há 70 anos.
“O Destino é geralmente concebido como uma sucessão inevitável de acontecimentos relacionada a uma possível ordem cósmica. Portanto, segundo essa concepção, o destino conduz a vida de acordo com uma ordem natural, segundo a qual nada do que existe pode escapar.” Wikipedia – eu sei, não é um site assim tão confiável, mas gostei dessa definição.
Tudo começou em 1950, com uma menininha chamada Nazareth. Naquela época, mulheres não tinham a prioridade de estudar ou mesmo de aprender a ler e escrever e, muitas vezes, a alfabetização dessas mulheres acontecia muito tarde. Por isso, a pequena Narazeth estava aprendendo a ler com 12 anos de idade, na capela de uma igrejinha.
Certo dia, Nazinha perambulava pelas ruas de um barro de Manaus, voltando da taberna (como são chamados os mercadinhos) pra casa com uma lata de querosene nas mãos. Nesse tempo quase não havia energia elétrica – somente nas casas ricas, e a televisão só chegaria no Brasil 20 anos depois – então, o querosene era usado como combustível para a lamparina. E era sob a luz dessa lamparina que Nazareth aprendia a ler.
Nessa volta pra casa, a menina – perdida em pensamentos – viu um papel no chão e decidiu se agachar para pegá-lo. Era a capa de uma revistinha. Naza analisou o papel nas mãos e um surto de felicidade percorreu por todo o corpo dela. Pela primeira vez, Nazareth percebeu que conseguia ler o que estava escrito: era uma revista em quadrinhos do Tio Patinhas.
Então, ela correu pra casa com o papel na mão transbordando felicidade e gritando: “Papai! mamãe! Eu sei ler, eu sei ler!”. Depois desse dia, o pai a matriculou na escola municipal, onde Nazinha finalmente pôde concluir sua alfabetização.
Vocês devem estar se perguntando: ok, o que tem a ver essa história?
Bom, a menininha chamada Nazareth é minha vó materna. Hoje, com 84 anos e um dente de ouro, ela me contou a história de como aprendeu a ler com o gibi do Tio Patinhas.
A paixão pelos quadrinhos que hoje tenho em mim foi marcada nesse dia, há 70 anos, num encontro entre o famoso pato criado pelo autor estadunidense Carls Barks e uma menina semi-analfabeta no norte do Brasil.
Minha vó nem pensava que, hoje, sua neta estaria seguindo essa profissão que naquele dia, há 70 anos, fora marcada pra sempre e destinada à mim.
Gosto de pensar que a minha carreira profissional começou ali, naquele momento.
Sâmela Hidalgo é manauara, assistente de edição de quadrinhos e assessora de imprensa da Editora Devir Brasil, podcaster no DFP e idealizadora do projeto Norte em Quadrinhos, que visa dar visibilidade para quadrinistas do Norte do país.
Siga: @samelahidalgo e @norteemquadrinhos
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