Quem lê quadrinhos no Brasil?
Sâmela Hidalgo analisa os dados da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, realizada pelo Instituto Pró-Livro
Quer receber novidades sobre histórias em quadrinhos? Inscreva-se!
Sâmela Hidalgo analisa os dados da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, realizada pelo Instituto Pró-Livro
De 4 em 4 anos, o Instituto Pró-Livro realiza a pesquisa Retratos da Leitura no Brasil. Essa é a única – repito: ÚNICA – pesquisa em todo o território nacional que observa os hábitos de leitura do leitor brasileiro.
Colocando isso em questão, resolvi analisar a pesquisa de acordo com uma ótica pessoal de ser uma mulher leitora e produtora de histórias em quadrinhos. Portanto, hoje, vamos observar qual o perfil da leitora de quadrinhos no nosso país varonil.
Logo de cara já começo com um dado interessante: a quantidade de entrevistados de cada região do Brasil. Das pessoas que foram entrevistadas – apenas 8% são do Norte e 8% centro-oeste. Enquanto 14% do sul, 28% do nordeste e 42% do sudeste.
Essas porcentagens de entrevistados estão de acordo com os dados demográficos da população brasileira, como se encontra na estimativa do IBGE.
As entrevistas da pesquisa foram feitas no final de 2019 ao começo de 2020, ou seja, antes da pandemia assolar o mundo e nosso governo ajudar a matar mais de meio milhão de pessoas.
Primeiro é necessário entender o que leva uma entrevistada a ser considerada um leitora. E, de acordo com a própria pesquisa, é considerado leitor aquele que leu pelo menos um livro nos últimos 3 meses. Bom, já estivemos piores que isso, certo? Vamos ver como será relatado esse fato depois de 4 anos desse desgoverno inimigo da cultura.
Legal observar também que a maior parte das entrevistadas ainda cursam o ensino médio, ou seja: Hello geração Z – vocês são o futuro da leitura. Bem-vindos!
Também é interessante – e, na verdade, até um pouco preocupante – observar que todas as faixas etárias de 11 à 70 anos passaram a ler menos, se comparadas com a mesma pesquisa feita no ano de 2015. Em compensação, vemos um crescimento na leitura das mini-leitoras de 05 a 10 anos.
Leitoras pardas e brancas assumem a liderança na pesquisa com mais de 50% mas a população negra não está muito atrás, assumindo a posição de 48%.
Lembrando que no Brasil: pardos fazem parte da população não-branca miscigenada. Ou seja: podem ser negros e/ou indígenas.
“A inacessibilidade de livros e incentivos governamentais à classes mais desprovidas ainda continua sendo um problemão num país que nunca teve o hábito da leitura e muitas vezes trata o livro como item de luxo ou de crime.”
Como esperado, a Classe A ainda é a que mais lê no Brasil (insira aqui um meme fingindo surpresa). A inacessibilidade de livros e incentivos governamentais à classes mais desprovidas ainda continua sendo um problemão num país que nunca teve o hábito da leitura e muitas vezes trata o livro como item de luxo ou de crime. Mas podemos analisar que até a Slasse A deixou de ler mais livros, em relação com a pesquisa anterior.
Um fenômeno também que – confesso, me deixou surpresa – é que as únicas duas regiões onde a quantidade de leitoras aumentaram foram: Norte ( de 53% a 63%) e Sul (50% a 58%) – curiosamente os dois maiores extremos do Brasil. Nas regiões Sudeste, Nordeste e Centro-Oeste tivemos quedas significativas de até 11% na quantidade dessas leitoras.
Bem, em relação a gêneros (aqui eles utilizam apenas os gêneros Masculino e Feminino, excluindo toda e quaisquer outras intersecções e identidades), a pesquisa mostra que as mulheres passaram a ler mais. Mas, ainda assim, os homens continuam a assumir a posição de liderança na corrida da leitura (e de salários, e de direitos, e de respeito, e de reconhecimento, e de liberdade etc etc etc etc). Inclusive, seria interessante e de muito bom grado a pesquisa envolver outros gêneros identitários para conseguirmos acompanhar principalmente o desenvolver da leitura na comunidade Trans, por exemplo.
Inclusive, algo intrigante para observar é que as leitoras que não estudam são os que mais lêem. Todas as leitoras que participaram da pesquisa leram menos que as leitoras da última entrevista feita em 2015. A queda mais exorbitante é vista nas que cursam o ensino superior (eu entendo vocês, amigas).
Podemos celebrar, pelo menos, o fato que estamos progredindo na média de livros lidos por ano no Brasil. De 2007 com 4,7 livros/ano à 2019 com 5,0/ano. Mas estagnamos nessa média em relação ao ano de 2015 onde tivemos a mesma pontuação.
Outra parte boa é que a maioria dos entrevistados afirmam que leem por gosto e/ou crescimento pessoal. Na faixa etária dos 70 anos, a maior parte das pessoas afirma que leem por motivos religiosos, já os Millennials por gosto e crescimento profissional, enquanto os Zennials por gosto e distração. E muitos deles dizem escolher o livro por tema de seu gosto ou recomendação de outras pessoas. Inclusive, a pesquisa mostra que as professoras e as mães ainda são as maiores influenciadoras na criação do hábito da leitura.
Observo também que a frequência da leitura de livros de literatura e histórias em quadrinhos seguem empatados nas preferências dos entrevistados, mas ainda abaixo da leitura de jornais – talvez isso se dê pelo momento histórico e trágico da política brasileira que estamos vivendo desde 2018. Todos precisamos estar muito mais antenados nas notícias.
Aqui vemos que o gênero da leitura ainda está consolidado em primeiro lugar pela Bíblia, mas podemos ver uma descida nesse hábito desde 2011. Em contrapartida, houve um pequeno crescimento na leitura na categoria história, economia, política, filosofia ou ciências sociais (de novo, o momento em que estamos pode muito bem ter influenciado isso).
Já nas histórias em quadrinhos, um caimento de 8 pontos em comparação com 2011 e 2 pontos em relação a 2015. Mas em compensação, as crianças do fundamental 1 e os jovens da faculdade são os que mais leem histórias em quadrinhos, com diferença de apenas um ponto entre eles. Isso pode até nos dar um bom direcionamento de público-alvo dos gibis a serem publicados de agora em diante (alô editoras e independentes, fiquem de olho nisso).
Quando perguntados sobre o por quê de não terem lido mais no ano de 2019, a falta de tempo, a internet e os streamings são as maiores vilãs por roubarem a atenção dos possíveis leitores.
“O processo de distribuição em massa do mercado editorial nacional é lento e essa lentidão afeta a renovação de novos títulos no meio popular.”
De tudo, o que mais me deixou encucada foi observar a lista de livros mais lidos, de acordo com os entrevistados: a Bíblia (essa não é surpresa pra ninguém, já que ainda é o livro mais vendido do mundo), A Cabana, O Pequeno Príncipe, Harry Potter, 50 tons de Cinza e a Culpa é das Estrelas. Parece que paramos no tempo, porque me lembro dessa lista ter sido praticamente igual a da última pesquisa. Isso também nos mostra o quanto é lento o processo de distribuição em massa do mercado editorial nacional e o quanto essa lentidão afeta a renovação de novos títulos no meio popular.
Infelizmente, nessa lista, não há menção a nenhuma história em quadrinhos – outra falha de percepção do mercado em relação à renovação do público.
Mas, Maurício de Sousa ocupa a 6ª posição de autores mais lidos do país, acompanhado de J. K Rowling e de dezenas de outros autores religiosos.
Ah, quando chegamos às leituras digitais, as mulheres têm vantagem no ranking, mesmo que essa porcentagem tenha caído 3 pontos, desde a última pesquisa. E a maior parte delas tem entre 18 a 39 anos. E ainda ler no celular é o meio mais utilizado, enquanto ler em um e-reader é menos utilizado.
Mas, claro, a preferência ainda é por livros físicos, mesmo com o aumento de leitores digitais.
Lembrando que essa pesquisa foi feita no final de 2019 e começo de 2020 – antes de tempos de isolamento social pandêmicos, onde já vimos que isso colaborou com o aumento da leitura tanto de livros quanto de histórias em quadrinhos.
Sâmela Hidalgo é manauara, editora de quadrinhos, consultora editorial, trabalhou na Devir Brasil por 4 anos e meio como assistente editorial e assessora de imprensa, podcaster no DFP (devíamos fazer um podcast), produtora Editorial no Stúdio Eleven Dragon, colunista no site Minha de HQ e idealizadora do projeto Norte em Quadrinhos que visa dar visibilidade para quadrinistas do Norte do país.
Siga: @samelahidalgo e @norteemquadrinhos
Desde 2015, realizamos aqui na Mina de HQ um trabalho independente de jornalismo, pesquisa e divulgação de histórias em quadrinhos feitas por mulheres e pessoas não binárias. Somos mídia feminista, com perspectiva de gênero. Todo o conteúdo está disponível gratuitamente aqui no site, nas redes sociais e na newsletter. O objetivo é fazer com que cada vez mais pessoas leiam quadrinhos e conheçam novas artistas. E esse trabalho só existe graças aos nossos apoiadores!
Com a partir de apenas R$5 por mês você recebe histórias em quadrinhos exclusivas em primeira mão, além da newsletter quinzenal, participa dos sorteios mensais, ganha mais um monte de recompensa bacana e ainda ajuda a viabilizar financeiramente esse trabalho.