Resenha: A diferença invisível
A vida de uma jovem neurodiversa, síndrome de Asperger, nessa HQ da quadrinista francesa Julie Dachez
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A vida de uma jovem neurodiversa, síndrome de Asperger, nessa HQ da quadrinista francesa Julie Dachez
A diferença invisível escancara como a sociedade é obcecada com a normalidade. A protagonista da HQ é Marguerite, uma mulher de 27 anos que vive com um Transtorno do Espectro Autista – a síndrome de Asperger. O trabalho é autobiográfico, já que mostra as experiências da roteirista francesa Julie Dachez, que tem inclusive um blog acompanhado por muitos autistas e profissionais da saúde. Os desenhos são de Mademoiselle Caroline. Eu sabia quase nada sobre o assunto, mas agora compreendo que são imensos os obstáculos que os “aspies” enfrentam.
Pra Marguerite, um dia comum é cheio de desafios. Ela é hipersensível ao som, tem dificuldade pra socializar, e é bombardeada com cobranças pra ser “normal”. Os colegas falam mal dela pelas costas, porque ela interage pouco no ambiente de trabalho; o chefe diz que ela deve se adequar, sair pra almoçar com o pessoal; o namorado reclama até garantir a presença dela em festas.
O livro se divide em antes e depois do diagnóstico de Marguerite, e alguns trechos do “antes” são difíceis de digerir, porque ela se violenta muitíssimo a fim de se adequar às vontades das pessoas ao redor. Ela ouve conselhos que são ofensivos, aceita convites que provocam crises de ansiedade debilitante.
Pra mim foi perturbador descobrir que a síndrome de Asperger é subdiagnosticada entre mulheres possivelmente por causa da forma como somos educadas: pra esconder nossas dificuldades e passar despercebidas. Nosso gênero é também um fator de risco no contexto do sexo, já que as “aspies” não conseguem detectar potenciais predadores, e a noção de consentimento é frequentemente confusa ou obscura pra elas. No livro há uma situação que deixa isto claro.
A arte da primeira parte da hq é monótona e repetitiva pra ressaltar a ideia de rotina e destacar os rituais que permitem que Marguerite desempenhe tarefas. A protagonista tenta eliminar do cotidiano a imprevisibilidade pra proteger a saúde mental. Enquanto ela passa por uma transformação após receber o diagnóstico, as cores preto, branco e vermelho dão lugar a outras mais vibrantes e os desenhos ficam mais complexos, representando a vida completa que ela finalmente pode ter… Melhor quadrinho que li nos últimos 5 meses.
A graphic novel foi lançada no Brasil em 2017 pela Editora Nemo.
* Anne Ribeiro é jornalista, de Belém (PA). No perfil @pralerhq ela escreve sobre quadrinhos para debater política, questões de gênero e universo LGBT.
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