Quem somos nós?
A roteirista e escritora Angélica Kalil escreve sobre a pesquisa história sobre mulheres em “Amazonas, abolicionistas e ativistas”, HQ de Mikki Kendall
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A roteirista e escritora Angélica Kalil escreve sobre a pesquisa história sobre mulheres em “Amazonas, abolicionistas e ativistas”, HQ de Mikki Kendall
“Toda a história das mulheres foi feita pelos homens”, disse Simone de Beauvoir no volume I de sua incrível obra O Segundo Sexo. No entanto, bem sabemos, apesar de ser escrita pelos vencedores, a história também é construída por mãos femininas.
É o que nos aponta a emocionante narrativa de Amazonas, abolicionistas e ativistas. Não somos as eternas coadjuvantes que nos ensinaram a ser. Somos protagonistas e nossos feitos fazem parte da impressionante jornada dos seres humanos no planeta Terra. A pergunta que me fica sempre que leio sobre a história das mulheres é: onde estaríamos como humanidade se a nossa contribuição não tivesse sido negada, impedida, rejeitada e apagada?
Ao escolher o recorte da luta pelos direitos das mulheres, as autoras levam as pessoas leitoras a perceber como o patriarcado se estabeleceu. As leis, regras e acordos, sempre definidos pelos homens, relegaram a mulher a um plano inferior, a serem sempre o outro: a secundária, a estrangeira, a menos importante, a que existe para ser o espelho do homem – olha os conceitos da Simone de Beauvoir aí de novo.
Se por um lado este livro nos coloca em um ambiente hostil às mulheres, já que todas essas imposições só foram possíveis com extrema violência, também nos mostra que em todos os tempos existiram as insurgentes. Mulheres que não aceitaram o lugar destinado ao seu gênero e se levantaram. Graças a elas, estamos aqui hoje.
O tempo é uma deusa poderosíssima que se revela em obras como essa. A minuciosa pesquisa que pode ser notada no texto e nas ilustrações nos leva por um caminho didático e que joga luz em acontecimentos que não nos foram ensinados na escola. Eu adoraria ter aprendido que a primeira pessoa registrada como escritora na história foi uma mulher e não um homem – Enheduana viveu em Acádia, na Mesopotâmia, cerca de 2.300 anos antes de Cristo. Está na página 11 de Amazonas, abolicionistas e ativistas.
Assim como ela, o livro nos apresenta outras, de diversos períodos e regiões, diferentes etnias e faixas etárias, com características físicas próprias, culturas distintas e personalidades variadas, uma multidão de mulheres de ontem que se junta às personagens atuais da narrativa. O elo entre o passado, o presente e o futuro acontece de forma divertida e nítida.
Durante a leitura desta obra, podemos perceber que a luta pelos direitos das mulheres traz consigo conquistas para as crianças, populações não brancas, trabalhadores e pessoas com deficiência. O quanto uma mulher tem de direitos em uma sociedade é uma régua que mede a maneira como esta sociedade percebe os direitos humanos.
A brasileira Bertha Lutz – que em 1945 participou da Conferência de São Francisco, nos Estados Unidos, onde foi escrita a Carta da ONU – acreditava que a paz no mundo só seria possível se as mulheres ajudassem a criá-la. Ela foi uma das únicas mulheres presentes na elaboração do documento de fundação das Nações Unidas e a principal articuladora da proposta de inclusão da palavra mulheres no texto final. Durante dois meses de trabalho árduo, Bertha e outras delegadas da Austrália, México, República Dominicana e Venezuela, conseguiram que a Carta da ONU se tornasse o primeiro tratado internacional da história a incluir a igualdade de gênero.
No entanto, até hoje nenhuma mulher ocupou o cargo de secretário-geral, o mais alto da instituição. Ainda temos muito a fazer. E obras como Amazonas, abolicionistas e ativistas nos ajudam a arregaçar as mangas.
Angélica Kalil é roteirista e escritora, vencedora do Prêmio Jabuti de 2021 na categoria juvenil pelo livro Amigas que se encontraram na história, criado em coautoria com a ilustradora Amma, com quem também assina as obras Amigas que se encontraram na história – vol 2, Bertha Lutz e a Carta da ONU e Você é feminista e não sabe. No audiovisual tem experiência em projetos educativos e passagens por produções da TV Cultura, Canal Futura e SescSP.
As histórias em quadrinhos são uma forma de viajar, conhecer lugares, culturas e personagens. Em 2015, a jornalista Gabriela Borges criou este canal para produzir conteúdos sobre HQs feitas por mulheres e pessoas não-binárias e ajudar a popularizar quadrinhos que fogem dos estereótipos machistas, das personagens hipersexualizadas e da ideia de que HQ é coisa de menino, de criança ou de fãs das histórias de super heróis.
Agora, a ideia é reunir pessoas que adoram quadrinhos ou querem conhecer mais sobre essa narrativa, para ler histórias, conversar e trocar ideias.