Resenha: Fixação
A jornalista Maria Júlia Lledó conversa com as autoras da e-comic “Fixação”, a roteirista Heluíza Brião e a desenhista Cátia Ana
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A jornalista Maria Júlia Lledó conversa com as autoras da e-comic “Fixação”, a roteirista Heluíza Brião e a desenhista Cátia Ana
“Não vai dar certo. Será? Certeza que vai. Mas… E se a gente fez alguma coisa errada? Não se preocupe. Confia.” Este diálogo ficou colado às minhas lembranças do curso de jornalismo no campus da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Não eram duas pessoas conversando. Éramos eu e meu outro eu duvidando do processo químico de revelação na sala escura do laboratório de fotografia. Fui parar lá durante a leitura de “Fixação” (2020), de Heluiza Brião e Cátia Ana.
Não acendam a luz… Pelo menos por enquanto. Vamos ficar nesse ambiente onde a visão restringe-se ao que o papel fotográfico vai nos mostrar em alguns minutos. Nele estará impresso (para sempre) o que seus olhos comandaram à câmera analógica. Ou pensaram comandar. Um casal se beijando na praça. Um pássaro sobre os fios dos postes. Uma estátua cravada na intersecção de duas movimentadas vias urbanas.
“O processo da fotografia tem um caráter até mágico, o registro de um momento que vai se perder no fluxo do tempo. Apesar da objetividade desse registro, quando se escolhe o que vai ser fotografado há uma intenção afetiva que pode se relacionar com o nosso processo de registro de memórias. Experienciar esse processo durante a faculdade influenciou muito as escolhas gráficas e a forma como conduzimos a história”, conta Cátia Ana, dona dos traços dessa e-comic que, em outubro de 2020, passou por uma campanha virtual de financiamento coletivo.
Trecho de “Fixação”
Assim como a imagem que vai aos poucos se revelando (camada por camada) com a passagem por bandejas e soluções químicas, os desenhos e a história das autoras ganham diferentes formas. “A revelação de um mistério, a revelação de algo que está escondido em uma cena, em um lugar, em um tempo, e nem fazemos ideia. Então, pensamos no processo de revelação fotográfica em si, que sim, envolve muitas camadas e exige todo um controle de tempo que parecia se encaixar com a ideia do ponto de vista fixo”, confirma a roteirista Heluiza.
Nos primeiros quadros, estamos num laboratório de 1994 observando Clara e dois amigos conversarem sobre uma foto que ainda seca no varal: o Monumento ao Bandeirante. Insatisfeita, a jovem aluna não consegue aceitar o resultado. Não parece bom, “falta ritmo”, ela diz. “Eu queria muito que a imagem registrada pela personagem fosse de uma pessoa esculpida, para fazer um paralelo com um ser humano parado no tempo”, explica Heluiza.
A escultura parada no tempo. Clara parada no tempo. Não nos damos conta até que, vazio, o laboratório adormece. E a história retoma quando os ponteiros sinalizam: estamos em 2020. Outros jovens alunos entram em cena. Uma geração digital que oscila entre o estranhamento e a admiração pela fotografia analógica. Mas… O que Clara faz entre eles? E por que 26 anos depois, o Monumento ao Bandeirante ainda é o objeto fotografado? “O personagem (o Bandeirante) em si acabou casando com o título da história em outros níveis, já que o ‘Diabo Velho’ (Bartolomeu Bueno da Silva, o Anhanguera) representa ideias antigas, fixadas, e que hoje questionamos. Sua dedicação intensa para alcançar seus objetivos, também lembra a forma como Clara busca alcançar a perfeição”, arremata Heluiza.
(…)
“Eu disse que ia dar certo. Mas não era bem isso que eu registrei. Aí é outra coisa. Não posso resolver. O que importa é que está aí: a fotografia. Mas, está tudo embaçado. Vamos fazer de novo. Dessa vez, abre os olhos.”
Heluiza Brião é graduada em Artes Visuais pela Universidade Federal de Goiás e Pós-graduada em Design Editorial pelo Instituto Europeo di Design. Participou como roteirista e desenhista de algumas edições independentes como a Quadrinistas Independentes do Centro-Oeste e a Pequi com Quadrinhos. Hoje se dedica a ajudar pessoas a entender sua própria essência através da astrologia e terapias integrativas. Siga: @heluizabriao
Cátia Ana é Programadora Visual na Universidade Federal de Goiás, Mestre em Estudos Literários e membro da ASPAS – Associação de Pesquisadores em Arte Sequencial. Publicou de 2010 a 2016 a webcomic O Diário de Virgínia, que teve dois capítulos publicados pela editora Marca de Fantasia. Participou das publicações independentes QICO 1 e 2 e Pequi com Quadrinhos, além da coletânea SPAM da Zarabatana Books. Em 2020 participa da Banca de quadrinhistas | Olhares femininos, evento virtual organizado pelo Itaú Cultural. Atualmente publica suas criações no website Quadrinhos Infinitos. Siga: @quadrinhosinfinitos
Maria Júlia Lledó, café com leite no universo dos quadrinhos, é jornalista, produtora/editora de conteúdo, redatora e editora da Revista E – Sesc São Paulo, gosta de compartilhar suas impressões (e sensações) sobre HQs. Saiba mais sobre Maria Júlia aqui.
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