Resenha: mangá lésbico
A jornalista Anne Ribeiro escreve sobre o mangá autobiográfico “Minha experiência lésbica com a solidão”, de Kabi Nagata
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A jornalista Anne Ribeiro escreve sobre o mangá autobiográfico “Minha experiência lésbica com a solidão”, de Kabi Nagata
Eu geralmente pesquiso pouco antes de comprar um livro, só o suficiente pra determinar se vale a pena tê-lo, por isso me surpreendi bastante com a variedade de assuntos que a Kabi Nagata aborda em Minha Experiência Lésbica com a Solidão. Logo no início do mangá autobiográfico ela menciona o sofrimento causado pela depressão e por transtornos alimentares, uma espécie de cortesia com leitores que podem ter dificuldades pra processar esses temas.
A história começa com um flashback, considerando a imagem da capa: antes de ver aquele encontro de Nagata com uma prostituta, o leitor acompanha como ela chegou aos 28 anos sem nunca ter beijado, por exemplo. Essa coragem extrema de publicar detalhes tão íntimos resulta numa leitura intensa, que exigiu de mim inúmeras pausas. Os trechos em que a Nagata descreve as crises de ansiedade e compulsão alimentar periódica foram os mais perturbadores. Eu nunca imaginei que o sofrimento mental pudesse levar alguém a desaprender algo básico como ler. Automutilação, anorexia, ideação suicida… É de se surpreender que a autora tenha conseguido revisitar tantos fantasmas de uma vez, ainda que isso represente um processo de cura.
A HQ foi esclarecedora também no aspecto cultural. Achei progressista haver bordel lésbico no Japão, e curioso o ato de escolher o quarto de motel a partir de uma série de imagens. Não consegui não comparar com menu de fast food, organizado por combos. O ritual de dar banho na parceira antes e depois do sexo também chamou atenção. Não sei se ele se aplica a todas as pessoas, mas pareceu ser um padrão.
Este mangá é menos sobre sexo e mais sobre autoconhecimento. Nagata reconhece que pra se conectar fisicamente com outra pessoa é preciso transpor barreiras que ela mesma ergueu e que estão ligadas à expressão do gênero, da orientação sexual dela. Ela mostra uma jornada, e o sucesso que o livro alcançou mostra que muita gente aprovou essa abordagem. O próximo mangá da Nagata, My Alcoholic Escape from Reality, vai chegar por aqui (em inglês) em abril de 2021 e deve ser outra avalanche de honestidade, desta vez partindo da luta dela contra o alcoolismo. Vale ficar de olho!
Anne Ribeiro é jornalista, de Belém (PA). No perfil @pralerhq ela escreve sobre quadrinhos para debater política, questões de gênero e universo LGBT.
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