Resenha: São Francisco
HQ de Gabriela Güllich e João Velozo mostra histórias da transposição de um dos mais importantes cursos d’água da América do Sul por meio do jornalismo em quadrinhos
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HQ de Gabriela Güllich e João Velozo mostra histórias da transposição de um dos mais importantes cursos d’água da América do Sul por meio do jornalismo em quadrinhos
O que se sabe popularmente sobre o protagonista desta história tem registro em letra de música e manchetes de periódicos. Um dos mais importantes cursos d’água da América do Sul, o rio São Francisco banha 521 municípios do Brasil. Perene e constante, ele atravessa Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Bahia, Minas Gerais, Goiás e Distrito Federal. Um caminho natural ceifado por hidrelétricas e pela sangria de um projeto de transposição com a promessa de matar a sede do Nordeste.
Tendo isso em mente, leio a HQ São Francisco (2019), de Gabriela Güllich e de seu parceiro de reportagem, o fotógrafo João Velozo. Passeio os olhos, pela primeira vez, em 108 páginas de Jornalismo em Quadrinhos. Eu, que comecei com Turma da Mônica e que, há menos de 10 anos, me encontrei nos traços e textos de autores e autoras de HQs coloridos por diversos temas. Mas, jornalismo, ainda não. Então, foi preciso mergulhar. Mergulhar como o menino desenhado nos primeiros quadros desta história. Me jogar de cabeça nas águas do Velho Chico.
Dividido em três capítulos — Água, Seca e Obra — São Francisco é resultado de duas semanas de chão, escuta e registros em desenhos, notas e câmera fotográfica. Foram duas semanas e mil quilômetros percorridos para a reportagem de Gabriela e João, que passaram por todas as cidades do Eixo Leste da Transposição do São Francisco, na Paraíba e em Pernambuco.
“Jornalismo leva tempo e dinheiro. Tudo custa: passagem, estadia, locomoção, alimentação, horas trabalhadas… Então a gente tirou a produção toda do nosso bolso. O catarse do livro foi pra pagar gastos com impressão, mas tudo antes disso foi por nossa conta.” (Gabriela Güllich)
Quadrinhos, fotos, textos e recortes de jornal vão costurando os depoimentos de homens e mulheres. Agricultores, psicultores, pipeiros, doutores. Em preto e branco, personagens e paisagens falam um idioma próprio. Ora embarco, ora desembarco em cidades de poeira, solo rachado, sol e promessas de “vida melhor”. Famílias deslocadas de suas casas, igrejas submersas, vidas refugiadas.
“Muitas entrevistas acabavam contando as mesmas coisas, e apesar de todas serem importantes, algumas traziam detalhes mais explicados que facilitariam no roteiro… Entrevistas mais detalhadas, com mais datas e mais pontos específicos foram priorizadas.” (Gabriela Güllich)
O olhar cansado do fazendeiro Acilon Alves, de 80 anos. A criança desconfiada no colo da dona de casa Mônica Ferreira Valéria. A peleja do agricultor Cícero dos Santos para transportar e vender o excedente de manga, maracujá e cebola na feira. Têm também os troféus que a agricultora Maria Eduarda ganhou jogando pelo Cipó Futebol Clube. E a resiliência de Maria Luciene Romão, até conseguir um teto próprio. No final, Velho Chico é esse punhado de vidas emaranhadas por decisões políticas.
“Todo esse trajeto possui um cenário que se diversifica ao longo dos capítulos, mostrando o quão plural é o Sertão, tão cheio de vida e de história.” (Gabriela Güllich)
Em minha primeira incursão pelo Jornalismo em Quadrinhos, dei conta de ler sem julgamentos ou pressa. Desapegada dos redemoinhos da “imparcialidade”, me sentei ao lado de Gabriela e de João nas soleiras das portas, nos barcos de pesca e até em escritório, para ouvir e tirar minhas conclusões.
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Maria Júlia Lledó, café com leite no universo dos quadrinhos, é jornalista, produtora/editora de conteúdo, redatora e editora da Revista E – Sesc São Paulo, gosta de compartilhar suas impressões (e sensações) sobre HQs. Saiba mais: julialledo.com
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