Impressões do FIQ 2024
Impressões sobre o Festival Internacional de Quadrinhos, de Belo Horizonte, um dos eventos de HQs mais amados do país
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Impressões sobre o Festival Internacional de Quadrinhos, de Belo Horizonte, um dos eventos de HQs mais amados do país
Em 2022, na primeira edição do FIQ pós-pandemia, os relatos de vários artistas confirmaram que havia um misto de euforia e emoção à flor da pele diante da constatação que estávamos vivos. Rever os amigos depois de ter lidado com a possibilidade do fim do mundo, tinha um significado especial.
Naquele ano, já dava para perceber o esforço da organização em minimizar o quanto fosse possível as lacunas de gênero e raça que são estruturais e observadas em todas as esferas da produção humana, mas desde a arte do evento feita por Laura Athayde, às mesas de artistas e painéis, a diversidade de artistas pode ser notada.
Nesse ano, a arte foi produzida por Ing Lee, também de Minas Gerais e, em conversa com um dos organizadores, Gabriel Nascimento, foi comprovado que intenção em manter a maior diversidade possível continuava firme.
Particularmente, o que posso dizer como visitante, é que a estrutura superou muito a de 2022, exceto pelo auditório, que por ser no meio da feira, recebia muita interferência externa. Ainda assim, dos painéis que pude participar, o nível dos debates foi excelente e me possibilitaram uma série de insights. O nível de profissionalização e a qualidade dos quadrinhos também aumenta de um ano para outro. No entanto, preciso destacar que fisicamente e socialmente eu não consigo mais circular e apreciar tudo como fazia antes. Não sei se é exclusivamente pela minha idade (47 anos) ou sobrecarga da vida, mas minha passagem pelo FIQ foi mais superficial de maneira geral, com longas conversas mais profundas e pontuais com algumas pessoas.
Ing Lee foi responsável pela identidade visual do evento. Foto: Lettícia Gabriella
Felizmente isso não chegou a ser um problema em termos de produção de conteúdo, pois estamos bem aquém dos outros canais e do que gostaríamos, mas graças a duas pesquisadoras maravilhosas, fomos muito, muito além do que prevíamos. Lettícia Gabriella e Nara Bretas, colegas que além de importantes referências acadêmicas, são também excelentes comunicadoras, fizeram todo o trabalho pesado de interação, coleta de dados, imagens, entrevistas, enfim, tudo e mais um pouco. Não tenho nem palavras para descrever a gratidão de ter essas duas na equipe.
Gabriela Borges. Foto: Lettícia Gabriella
Como foi a primeira vez delas cobrindo um evento desse porte, vou deixar que elas falem por si sobre a experiência, mas sei que o FIQ não teria sido tão agradável e proveitoso e elas não tivessem aparecido. Que venha o FIQ 2026!
por Nara Bretas
Não sou novata no FIQ. Frequento o evento desde 2013. Nasceu no festival de 2015, inclusive, minha vontade de pesquisar e entender o universo das quadrinistas brasileiras. No evento de 2022, construí pontes importantes que me ajudaram a chegar ao evento de 2024 com uma nova função, que não a de mera espectadora.
De lá para cá, ficam claros os esforços da organização em tornar o FIQ mais diverso. O evento tem mudado. Tem se aberto a artes e públicos diversos, e isso ficou ainda mais evidente ao longo dos meus “giros” com Lettícia pelas mesas e estandes de artistas.
O número de mulheres, pessoas trans e não bináries é significativamente maior do que o de meus primeiros FIQ’s. Digo isso porque nosso plano inicial era passar em todas as mesas e fazer um registro de toda essa diversidade. Não conseguimos. Mas “descobrimos” um número que ainda não foi possível calcular de artistas.
Dentre as atrações, destaco a primeira mesa de debates de todas as edições do festival completamente composta por artistas indígenas: “É possível produzir quadrinhos indígenas?” com Célia Tupinambá, Marcelo Borari e Tai. Pensando sobre a pergunta motivadora, a quadrinista Tai devolveu a pergunta: “É possível fazer quadrinhos não indígenas? Se perguntar por que não tem mais indígenas fazendo quadrinhos me parece mais importante do que perguntar se é possível nós fazermos histórias”, provocou.
Entre as 266 mesas de artistas, os 16 estandes e as 21 mesas de debates, muita coisa aconteceu. Tivemos lançamento da Revista Mina de HQ #4, com sessão de autógrafos da Gabi Borges, lançamentos de livros como Bói Dodoy e diversas sessões de autógrafos, com destaque para as artistas internacionais: Zoe Thorogood (Reino Unido), Jenny Jordahl (Noruega) e Maco (Uruguai).
Painel de quadrinistas indígenas. Foto: Lettícia Gabriella
No FIQ 2024, mesas totalmente compostas por mulheres e pessoas não bináries, nas quais não se falou (pasmem!) especificamente sobre “mulheres e quadrinhos”, foram possibilitadas. Como por exemplo: “Até quando experimentação ainda é HQ”; e “Em se plantando tudo dá: desafios da produção de quadrinhos nas diferentes regiões do Brasil”.
Nos corredores, lounge e áreas de convívio, o FIQ exalava cultura com música e desenhos ao vivo. Mas mais do que isso, o festival era também espaço de interação acadêmica. Além das pesquisadoras de quadrinhos convidadas para mesas, como: Natânia Nogueira, Cátia Ana e Samanta Coan, percebi que estamos cada vez mais nos apropriando dos corredores do evento para trocas importantes e necessárias. Isso faz do FIQ um rico ambiente de debate para aquelas que, carinhosamente, apelidei de Acadêmicas do FIQ.
O FIQ 2024 veio para abrir portas e fortalecer conexões que esperamos manter ao longo do ano. Apesar das dificuldades enfrentadas, contribuir com o legado da Mina me dá forças e esperança. Que o FIQ 2026 chegue com avanços maiores que os de 2024. E que continuemos firmes fazendo curadoria e falando sobre a diversidade nos quadrinhos, mas com o reconhecimento que nos é de direito.
Espero revê-las por lá!💜
Música no Lounge. Foto: Lettícia Gabriela
Dani Marino é Mestra em Comunicação pela ECA/USP e pesquisadora de Quadrinhos e cultura pop especializada em questões de gênero. Integrante da Associação de pesquisadores em Arte Sequencial, a ASPAS, publicou diversos artigos e capítulos de livros no Brasil e no exterior, e é também uma das organizadoras do livro Mulheres e Quadrinhos, vencedor em duas categorias no troféu HQMIX 2020.
Nara Bretas é pesquisadora de quadrinhos no digital desde 2012 e Doutora em Estudos de Linguagem (PosLing) pelo Centro Federal de Educação Tenológica de Minas Gerais (CEFET/MG), onde trabalhou com as temáticas: Mulheres e Quadrinhos no Brasil, Narrativas de Vida, Análise do Discurso e Feminismos. Jornalista, Licenciada em Letras e admiradora das HQs desde muito nova, Nara ama quadrinhos cotidianos e surtadas ocasionais.
Lettícia Gabriella é doutoranda em Comunicação Social e pesquisadora de Histórias em Quadrinhos e Estudos de Gênero pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), contando com o apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES). Professora da disciplina Comunicação e Quadrinhos e parte dos grupos de pesquisa Oficina de Quadrinhos (UFC) e GEL: Grupo de Estudos em Lesbianidades (UFMG), tem no multiverso de histórias e personagens sua principal fonte de inspiração, se dedicando a lançar um olhar comunicacional, questionador e interseccional às HQs.
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Dani Marino é especialista em histórias em quadrinhos e questões de gênero. Mestre em Comunicação e doutoranda em Ciência da Informação pela ECA/USP, também atua como professora de Literatura Inglesa. Ganhadora de 2 troféus HQMIX com o livro Mulheres e Quadrinhos, que organizou com Laluña Machado, já colaborou com diversos sites e canais especializados em cultura pop.