A cegueira de Billie Scott
“Você ficará cega em algumas semanas”
Para além da ideia de superação, A cegueira iminente de Billie Scott aborda a importância de cada jornada.
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“Você ficará cega em algumas semanas”
Para além da ideia de superação, A cegueira iminente de Billie Scott aborda a importância de cada jornada.
“Você ficará cega em algumas semanas”
Para além da ideia de superação, A cegueira iminente de Billie Scott aborda a importância de cada jornada.
Em sua proposta de trazer quadrinhos cada vez mais diversos, a Conrad publica no Brasil A cegueira iminente de Billie Scott (2023), da britânica Zoe Thorogood. Zoe é ilustradora da Image Comics e também produziu a HQ It’s Lonely at the centre of the Earth, que assim como em a cegueira iminente, traz uma artista como protagonista.
Como o próprio título indica, Billie Scott ficará cega. A jovem artista extremamente reclusa, mora em uma república nos arredores de Londres e seus vizinhos nada sabem sobre ela. Assim, ao longo da HQ, conforme Billie conhece novas pessoas, nós também a conhecemos mais um pouco.
Acredito que ao sabermos que uma jovem artista plástica está prestes a ficar cega devido a uma condição irreversível, a nossa tendência é esperar uma dessas histórias de superação onde o autor nos assegura que tudo ficará bem apesar das adversidades, mas a HQ consegue ir bem além do óbvio.
Sim, a Billie descobre que perderá a visão em questão de dias e essa notícia chega bem quando ela é aprovada para exibir seus quadros em uma importante galeria de arte. Então, ela precisaria correr para produzir 10 quadros para essa exposição antes de perder completamente a visão. Nesse ponto, é impossível não nos identificarmos com os questionamentos que Billie faz sobre seu talento: em meio a uma crise de criatividade misturada com síndrome de impostora, percebemos que a artista sente necessidade de se provar, mas não se sente capaz, mesmo após ter sido muito elogiada pela galeria que a premiou com a exposição.
Os desenhos e as cores de Zoe possibilitam uma grande sensação de imersão na história, porque a partir do momento que Billie decide que precisa produzir os 10 quadros, ela se lança em uma aventura em busca das pessoas mais interessantes que puder encontrar a fim de retratá-las. Então, ao longo dessa jornada que a coloca em situações super inusitadas com as figuras mais improváveis, nós também aprendemos um pouco mais sobre as condições que levaram a protagonista a sair de casa, sobre suas angústias e sobre as mais variadas possibilidades de existir em um mundo que pode ser extremamente hostil.
Por isso, a questão da cegueira não é uma drama a ser superado, mas um fato que se impõe e sobre o qual Billie não tem nenhum controle, ou seja, o foco da narrativa passa a ser mesmo sobre aquilo que podemos controlar e sobre as escolhas que fazemos diante de adversidades. Nesse sentido, seria muito raso limitar essa HQ a uma ideia de superação e de que é preciso um trauma para aprendermos certas lições. Na verdade, a cegueira iminente é sobre a importância de nossas jornadas e sobre como cada pessoa que conhecemos nos afeta de diversas formas. Ao decidir expor seus quadros mesmo sabendo que em breve nem mesmo poderá vê-los, Billie dispõe de toda sua coragem para superar algo menos visível que a cegueira: ela precisa superar barreiras que ela mesma impôs a si e esse processo é riquíssimo. Por meio das interações que se estabelecem ao longo do quadrinho, nos sentimos parte de algo e é incrível acompanhar o amadurecimento de Billie e como ela acaba conseguindo se permitir ser parte disso também.
Sempre comento sobre como me sinto confortável lendo autoras e com a cegueira iminente de Billie Scott não foi diferente. A leitura, além de muito fluida, foi extremamente prazerosa e os personagens que conheci nessa HQ não eram nada óbvios, pois Zoe consegue conferir complexidade a cada um que cruza o caminho de Billie e faz isso de maneira muito leve, por isso, apesar de sabermos da condição da protagonista, apesar dos dramas que envolvem a todos, não se trata de uma história dramática. Há momentos muito ternos e a HQ é permeada de uma sensação de esperança de que vai mesmo dar tudo certo e isso é bem verossímil, palpável, mas sem ser piegas. Até mesmo o romance entre Billie e Rachel (sorry pelo spoiler, mas é sempre tão bom quando temos representações LGBTQIAP+ positivas), apesar não ser o centro da narrativa, não traz a carga dramática de algumas representações LGBTQIAP+ que costumamos ver por aí. Na verdade, torcemos para que ele dure, mas sentimos aquela angústia de não saber se as coisas ficarão bem enquanto Billie corre contra o tempo para terminar seus quadros e se encontrar.
Eu poderia dar mais detalhes sobre a história em si, mas percorrer as ilustrações e cores, ler os diálogos nos balões é uma experiência para ser sentida muito mais do que palavras conseguiriam descrever. Então leia a HQ e compartilhe o que achou em suas redes para que possamos comparar nossas percepções sobre essa história tão cativante.
Daniela Marino é pesquisadora de quadrinhos e questões de gênero, graduada em letras, mestre em comunicação e doutoranda em ciência da informação.
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Dani Marino é especialista em histórias em quadrinhos e questões de gênero. Mestre em Comunicação e doutoranda em Ciência da Informação pela ECA/USP, também atua como professora de Literatura Inglesa. Ganhadora de 2 troféus HQMIX com o livro Mulheres e Quadrinhos, que organizou com Laluña Machado, já colaborou com diversos sites e canais especializados em cultura pop.