A influência da Mulher Maravilha
Sâmela Hidalgo escreve sobre como a personagem influenciou gerações de leitoras, autoras e também personagens desde sua criação
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Sâmela Hidalgo escreve sobre como a personagem influenciou gerações de leitoras, autoras e também personagens desde sua criação
Os oitentão de Diana Prince estão sendo comemorados durante todo o ano de 2021 e não há como negar que oito décadas de heroína inspiraram absolutamente todas as outras que vieram depois dela. E até porque não dá para não falar sobre a heroína mais famosa e importante do mundo, que conseguiu atravessar as páginas dos quadrinhos para bater de frente com problemas da vida real.
Desde retratar o sufragismo dos anos 20 e se tornar um símbolo feminista marchando lado a lado com o movimento dos anos 70, seja batendo de frente com a censura ou até mesmo apoiando o movimento racial e LGBT e integrando mulheres indígenas, negras e trans à Themyscira. A Mulher Maravilha representa muito mais que ser apenas mulher, ela conecta pessoas do mundo inteiro trazendo temas sociais que ajudaram a abrir portas – na base do chute – para essa enxurrada de heroínas incríveis que nós temos hoje.
Se hoje a roteirista Kelly Thompson pode escrever uma personagem como Kate Bishop, por exemplo, onde ela enfrenta diversas situações de ódio a mulheres e utiliza-se de discursos progressistas feministas e levanta questões importantes sobre gênero e padrões, podemos agradecer Mulher Maravilha por esse feito. A semideusa que foi criada para ser subversiva e quebrar padrões da época enquanto levantava a bandeira sufragista, deu voz e liberdade às heroínas e autoras que dominam o mercado de quadrinhos atualmente.
Mulher Maravilha abriu caminho para essa pluralidade de super-heroínas, elas já não precisavam ser apenas ajudantes ou namorada dos protagonistas. Nem ser somente mulheres brancas, loiras e norte-americanas. Elas podiam ser diversas em suas origens e ancestralidades e também em suas personalidades e atributos.
Heroínas negras como Shuri, Ironheart, Vixen, Tempestade, Moon Girl, Monica Rambeau, Misty Knight puderam ser inspiradas pela Princesa Núbia – a Mulher Maravilha da Ilha Flutuante – concebida em 1973. Assim como personagens ultra master poderosas como Feiticeira Escarlate e a Fênix Jean Grey, vieram representar a super força e a responsabilidade de personagens femininas em ter tamanho poder em mãos. Poderes esses que podem até mesmo destruir completamente o mundo, encabeçado por influência da Princesa Diana de Themyschira.
Podemos até mesmo lembrar de vilãs como Arlequina, Mística, Mulher Gato, Hera Venenosa, Hela etc com suas personalidades que diferem muito uma das outras, graças a essa diversidade de personagens femininas que foram concebidas desde Mulher Maravilha. A gente consegue relacionar até mesmo a luta pela própria liberdade da personagem Elektra com a luta da Mulher Maravilha pela liberdade feminina na sua origem. Ou também com a Kate Kane, nossa querida Batwoman, que já exerce essa liberdade e empoderamento – mesmo que seja de um modo diferente da liberdade que Elektra procura. Kate simplesmente já é livre para poder viver sua sexualidade e ainda lutar contra a criminalidade em Gotham.
“Ela é o elo perdido numa corrente que começa com as campanhas pelo voto feminino em 1910 e termina com a situação conturbada do feminismo um século mais tarde. O feminismo construiu a Mulher Maravilha. E, depois, a Mulher Maravilha reconstruiu o feminismo”, diz Jill Lepore, em A história secreta da Mulher Maravilha.
A influência da princesa de Themyscira pode ser vista também quando Kelly Sue Deconnick é convidada a assumir e reformular completamente a personagem Carol Danvers, que passou por péssimas experiências nas mãos de roteiristas e ilustradores homens desde sua criação, vale lembrar. Além do que, a Capitã Marvel – sob a alcunha de Ms Marvel, na época – foi criada pela Marvel exatamente para tentar se equiparar com a personagem da DC que estava fazendo o maior sucesso, mas não foi tão bem explorada e escrita quanto.
Somente em 2012 nas mãos de Kelly Sue que a personagem passa a ser devidamente respeitada e representada. Assim como Diana Prince, Carol Danvers passa a ser de fato uma guerreira com patente e treinamento militar. E apesar de todo a dificuldade, ela também passa a se ver num mundo e numa carreira controlada por homens quando decide ser pilota da força aérea e descobre ali, tal como a Mulher Maravilha, que aquele mundo também pode pertencer a ela. E até mesmo as cores do uniforme de Carol remete diretamente à influência da semideusa, não há como negar.
E que tal falarmos até sobre os braceletes? Pode ser que essa seja uma referência pequena e nem tão direta assim, mas o bracelete da Kamala Khan, a Ms Marvel, tem uma pontinha de ligação com o bracelete de Diana Prince.
William Moulton Marston, criador da Mulher Maravilha, vivia em um relacionamento à três nos anos 30, com sua mulher Elizabeth e sua namorada, Olive. Olive tinha uma característica especial que se tornou praticamente um traço familiar: por anos, ela usou um par de bracelete grosso proveniente da Índia. Para homenageá-la, William usou essa característica na Mulher Maravilha e trouxe o bracelete para incorporar o visual da personagem. Muito comum no uniforme de heroína da Ms Marvel, ela também usa um par de braceletes provenientes da índia. Os braceletes, no entanto, pertenciam à sua bisavó e foi uma das únicas coisas que restou à sua família quando fugiram da Índia na época da Guerra Civil e se estabeleceram no país recentemente criado, o Paquistão (para entender melhor essa história de o Paquistão ter sido a Índia e depois separado para ser um país novo, clica aqui e leia o texto sobre a origem da Ms Marvel). O bracelete passado de bisavó pra avó, da avó pra mãe, até chegar à Kamala, é também símbolo de sua força, assim como o de Diana Prince.
E a nova geração de leitoras de quadrinhos também tem sua representante da influência das oito décadas de Mulher Maravilha.
Luna Lafayette, heroína conhecida como Moon Girl criada em 2015, é uma menina de apenas 9 anos de idade que é considerada uma das mentes mais inteligentes do universo Marvel. A inocência da personagem criança nos remete diretamente à inocência de Diana quando chega ao mundo dos homens, Moon Girl carrega em si essa pureza no olhar e no modo de viver a vida. Ela escolhe seu próprio modo de ajudar as pessoas e o mundo, enfrentando até mesmo pessoas queridas para ela em prol disso e tem seus objetivos baseados em uma jornada de autoconhecimento – como fez Diana quando decidiu sair da ilha.
A Mulher Maravilha influenciou gerações de leitoras, autoras e também personagens desde sua criação.
Hoje, ela é mais que uma personagem. É um ícone que representa mulheres do mundo inteiro e carrega consigo uma missão de representatividade única, fazendo com que possamos um dia sonhar em ver todas nós representadas na ilha das Amazonas, assim como Bia, a amazona trans, e Yara Flor, a amazona indígena.
Espero vocês em Themyscira!
Sâmela Hidalgo é manauara, editora de quadrinhos, consultora editorial, trabalhou na Devir Brasil por 4 anos e meio como assistente editorial e assessora de imprensa, podcaster no DFP (devíamos fazer um podcast), produtora Editorial no Stúdio Eleven Dragon, colunista no site Minha de HQ e idealizadora do projeto Norte em Quadrinhos que visa dar visibilidade para quadrinistas do Norte do país.
Siga: @samelahidalgo e @norteemquadrinhos
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