Balanço da CCXP 22 – Parte I
Com a proposta de ser cada vez mais diverso, o Artists’s Valley da CCXP22 trouxe muitas novidades e nós compartilhamos algumas delas aqui
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Com a proposta de ser cada vez mais diverso, o Artists’s Valley da CCXP22 trouxe muitas novidades e nós compartilhamos algumas delas aqui
Com a proposta de ser cada vez mais diverso, o artists’s Valley da CCXP22 trouxe muitas novidades e nós compartilhamos algumas delas aqui.
Ainda estamos dentro da janela em que é ok falarmos de um evento que ocorreu não faz muito tempo? Pois é, quem acompanhou a Mina de HQ pelas redes sociais nos primeiros dias de Dezembro deve ter notado que Gabriela Borges (fundadora e editora-chefe da MHQ) teve participação de destaque no evento, que nos esforçamos para atualizar os seguidores sobre o que estávamos fazendo por lá e sobre a participação das mulheres (cis e trans), das pessoas não-binárias e homens trans (embora, até onde eu saiba, não havia nenhum no Artists’ Valley) na área dedicada aos quadrinhos.
Começo destacando o nome do antigo beco dos artistas que agora se chama Artists’ Valley. Valley, que substitui o Alley das outras edições, significa vale em inglês e remete tanto ao aspecto geográfico – que ficou marcado no mapa virtual do evento quando ele ocorreu de forma online nos 2 últimos anos – quanto à ideia de vale como um espaço de diversidade de gênero e sexualidade. E essa diversidade foi bem mais palpável nesse ano do que nos anos anteriores, muito pelo esforço incansável do curador do espaço, Ivan Freitas, mas também pelo maior alcance e visibilidade que artistas e produtores de conteúdo LGBTQIAP+, negros e indígenas têm conseguido, possibilitando que mais pessoas sejam vistas e estejam no radar dos eventos.
Nos 4 dias que andei por lá, fiquei positivamente impressionada com a diversidade de traços, temas e pessoas, principalmente com a quantidade de gente que nunca tinha estado na CCXP antes. A qualidade dos trabalhos que tive a chance de ver também se supera a cada ano. Yeeey!
Então, dividirei esse texto em alguns tópicos para tentar compilar não só a participação da Mina de HQ por lá, como também destacar alguns temas debatidos com autoras que pude conversar.
Gabi Borges foi uma das convidadas especiais do evento, ou seja, além de participar de alguns painéis, também teve uma mesa de destaque para expor as revistas. Quando recebeu o convite, ela optou por convidar Paulo Floro e Dandara Palankof, editores da Plaf – outra importante revista sobre histórias em quadrinhos, para dividir a mesa.
No dia 01/12, ela participou do Epic Cast, um podcast que foi transmitido ao vivo de um espaço dedicado exclusivamente para isso, o novo Arena Cast, sob o comando de Jack (Omelete) e com a presença de outros convidados engajados com iniciativas relacionadas à representação da diversidade: Andreza Delgado (Perifacon, Lança a Braba), Alice Pereira (quadrinista) e Bruno Trindade (podcaster). A conversa girou em torno da importância de conhecermos narrativas diversas produzidas por pessoas diversas e pode ser conferido aqui:
“Dar um rolê ali no Artists’s Valley é encontrar os próximos sucessos.”
Já no dia 04/12,o destaque foi mesmo para a Mina de HQ e o trabalho que a Gabi desenvolve desde 2015 buscando apresentar quadrinhos mais diversos, produzidos por mulheres (cis e trans), pessoas não-binárias e homens trans – de todas as sexualidades. Sâmela Hidalgo, que, além de colunista da Mina de HQ, é editora da Social Comics, foi uma das entrevistadoras ao lado de Lucky Lulli e Alê Garcia. O bate-papo pode ser conferido na transmissão do dia a partir de 1:14 no link abaixo:
A criadora do projeto Norte em Quadrinhos não parou um segundo também: além de alimentar os artistas nortistas com suas marmitinhas sempre que possível, também participou de vários painéis e ainda comandou o palco do Artist’s Valley onde vários quadrinistas desenhavam ao vivo e respondiam perguntas (constrangedoras às vezes, rs). Por esse palco também passaram Belle Félix, editora da Panini, e Lorelay Fox, uma das drags mais queridas do país. No dia da Lorelay apresentar, os artistas convidados ao palco eram todes LGBTQIAP+, indicando que o vale só fica mais colorido a cada ano.
Outros podcasts de interesse:
O tradicional painel das furiosas também ocorreu na Arena Podcast nesse ano, com a participação de mulheres que chutam muitas bundas na cultura pop: Clarice França (roteirista), Kelly Cristina (escritora e produtora de conteúdo), Germana Viana (quadrinista) e Anne Quiangala (pesquisadora e produtora de conteúdo no Preta Nerd e Burning Hell).
A Luiza de Souza, Ilustralu, falou sobre a criação de Arlindo no Epic Cast ao lado de Mariana Viana (Fora do Plástico). Já Laluña Machado e eu fomos as convidadas no podcast sobre pesquisa acadêmica de quadrinhos.
Graphics MSP: como eu já havia adiantado nessa matéria aqui, Ana Cardoso, Cora Otoni e Carol Rossetti me contaram sobre a experiência de participar de uma Graphic e cada uma está em um estágio diferente dessa produção. A Cora já havia lançado Denise: Arraso nesse ano, então, muitas pessoas que foram à sua mesa, foram para parabenizá-la e pegar autógrafos. Quando perguntei sobre a diferença do processo criativo entre suas tiras e a HQ da Denise, ela me explicou que normalmente reservava as segundas e quartas de manhã para produzi-las, já com a Graphic, ela conseguiu se dedicar integramente e mantinha uma rotina de 8 horas dedicas a isso. Essa organização foi tema inclusive de um fio no Twitter onde ela compartilhou suas planilhas para acompanhar gastos e lucros durante o evento e será abordada também em um wokshop que ela irá ministrar em janeiro. Para Cora, o melhor aspecto de ter produzido Denise foi o de ter alcançado um público infantil e juvenil, algo que sempre quis.
Ana, por sua vez, lançou Mingau: Apego na CCXP, então, as pessoas ainda não tinham muitos feedbacks para oferecer, mas ficou feliz ao ser informada que a HQ estava entre as mais vendidas da Panini, o que também representou um alívio muito grande para a quadrinista. Ela me explicou que foi acometida por insegurança ao longo do processo por ele ter se dado majoritariamente ao longo da pandemia, em meio a mudança de casa, mordida de cachorro, picada de aranha… pensa aí nos desafios envolvidos para que Mingau chegasse até nós. Mas, apesar de toda a responsabilidade de pegar um dos personagens do Mauricio de Sousa emprestado, Ana confessou que o retorno tem sido muito gratificante.
Já a Carol Rossetti, foi anunciada como nova autora da Magali no dia 2/12, o que significa que ela passou um bom período tendo contato com várias pessoas para as quais ela gostaria de ter contado a novidade e não contou. Carol é conhecida por seu trabalho com aquarela, por isso, adiantou que Magali também será feita toda em aquarela e a mineira ainda disse:
“A Magali é uma das personagens com as quais eu mais me identifico porque, obviamente, comida, né? (risos) Mas a comida, ao menos pra mim, sempre teve um significado de compartilhar afeto. A socialização em torno da comida, comer com as pessoas, cozinhar com as pessoas que a gente ama é uma coisa que me encanta muito. Ainda não tenho a história, ainda não tenho nada, mas espero conseguir passar um pouco dessa ideia na Graphic.”
Para quem assistiu o filme inspirado na HQ Turma da Mônica: Lições, em um dado momento a Magali ingressa em um curso de culinária para crianças como uma forma de lidar com tudo que estava passando e Laura Rauseo, a atriz que a interpreta, conferiu muito desse encantamento mencionado pela Carol nas cenas em que ela cozinhava. Então, essa HQ certamente não irá apenas lidar com afetos, mas com nosso apetite que os mineiros conseguem instigar tão bem.
Gênero e ficção-científica: Gegê Schall e Jeremy Holt, autoras de Made in Korea, me contaram sobre o processo criativo da HQ que subverte alguns dos elementos mais conhecidos das sci-fi ao trazer para o cerne da narrativa o questionamento sobre identidade de gênero. Gegê explica que a abordagem utilizada ao longo da narrativa precisou ser revista e o tamanho da história, pensado incialmente para 3 volumes, foi para 6, embora no Brasil eles tenham sido lançados como graphic novel em um só volume pela Conrad. Isso porque uma das reflexões trazidas gira no quadrinho coloca quem xeque a ideia de que a partir do momento que um ser é senciente, ele teria uma identidade própria:
“Nem todo mundo tem uma identidade própria, nem todo mundo pensa como si próprio. A gente tá sempre dentro de um molde. Uma essência humana está mais em se identificar do que em só seguir algo que ouvimos e reproduzimos”.
A autora, uma mulher trans, julga importante que as narrativas sobre vivências diversas não sejam focadas exclusivamente em autobiografias, pois as pessoas também querem se ver representadas na ficção e em todos os outros espaços.
Para Jeremy Holt, pessoa não-binária, Made in Korea tem um significado ainda mais especial, pois foi a primeira vez em que trabalhou em uma história em que aspectos da sua vivência, bons e ruins, puderam ser contados:
“Como criança coreana adotada por pessoas brancas, eu passei os primeiros 7 anos da minha carreira contando histórias de salvadores brancos. Em um certo momento me dei conta que essas não eram minhas histórias. Então, ao longo da confecção da HQ eu quis falar sobre a minha realidade, sobre o que significa família para mim e sobre a minha própria identidade de gênero, o que foi realmente muito poderoso para mim e para a Gegê.”
Com o mesmo raciocínio de explorar questões de gênero em narrativas variadas, Alice Pereira, que também foi uma das convidadas do evento, inovou também na técnica utilizada na composição de sua HQ Travessia: ela produziu todo o quadrinho em 3D, digitalmente, explorando as possibilidades que essa modalidade oferece “como uma grande brincadeira, já que uma vez que os personagens estão criados, você não precisa desenhá-los novamente, pode apenas inseri-los em ambientes variados.”
A grande homenageada: Ciça Pinto, autora das tirinhas O Pato, participou do evento autografando o livro que é uma coletânea de tirinhas do seu personagem mais conhecido no estande da Chiaroscuro. Ela se mostrou muito emocionada em estar ali e mais ainda ao observar o quanto a produção feminina tem crescido e se destacado em meio às artes gráficas no Brasil.
Bom, essas são apenas algumas das autoras com quem tive oportunidade de conversar ao longo de 4 dias. Posteriormente, falaremos das outras autoras e suas considerações sobre a CCXP, sobre suas produções e lançamentos, sobre fazer quadrinhos durante a pandemia. Até lá, que tal dar uma espiada no vídeo com um pouco do que foi essa experiência épica?
Daniela Marino é pesquisadora de quadrinhos e questões de gênero, graduada em letras, mestre em comunicação e doutoranda em ciência da informação.
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Dani Marino é especialista em histórias em quadrinhos e questões de gênero. Mestre em Comunicação e doutoranda em Ciência da Informação pela ECA/USP, também atua como professora de Literatura Inglesa. Ganhadora de 2 troféus HQMIX com o livro Mulheres e Quadrinhos, que organizou com Laluña Machado, já colaborou com diversos sites e canais especializados em cultura pop.