HQs de artistas afroamazônicos
Coletânea “Zagaia” revela e valoriza a diversidade e a representatividade de artistas do norte do Brasil para formar novos públicos e democratizar a leitura a partir de escolas públicas e bibliotecas comunitárias
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Coletânea “Zagaia” revela e valoriza a diversidade e a representatividade de artistas do norte do Brasil para formar novos públicos e democratizar a leitura a partir de escolas públicas e bibliotecas comunitárias
“Zagaia”, palavra que designa uma lança africana, é também o nome da coletânea que reúne HQs de artistas negros da Região Metropolitana de Belém. O trabalho resulta de pesquisas feitas pelo quadrinista e ilustrador Elton Galdino (@araacatu) e joga luz sobre a nona arte feita no Pará. “Pensar num recorte da produção de artistas negres foi um processo quase inevitável, considerando o local de onde falo e a necessidade de dados concretos que enviesassem não só minhas pesquisas, mas de outras/outros pesquisadoras/es do tema que possam vir depois de mim”, explica. “A escolha (dos participantes) se deu principalmente pelo fator diversidade: a ideia era ter um mosaico de narrativas, pontos de vista, locais de fala e procedimentos técnicos variados”.
A publicação é um box que reúne, em forma de pôster, as obras de 13 artistas, totalizando 10 HQs. No verso de cada pôster há um pequeno currículo e contatos do artista que produziu o quadrinho. Além das histórias, o box traz um encarte com dados completos do projeto, desde o mapeamento até a fase editorial, e um encarte em braille, direcionando à versão acessível da HQ no YouTube. “Cada vídeo corresponde a uma das HQs da coletânea e tem a sua descrição textual correspondente”, detalha Galdino.
Das 10 HQs que compõem Zagaia, quatro são assinadas por mulheres. “O projeto Zagaia é importante desde sua gênese, pois faz uma pesquisa que demonstra pela primeira vez um levantamento quantitativo que comprova a existência de pessoas pretas, periféricas e diversas que atuam na produção de quadrinhos. Esses dados são extremamente relevantes para conheceremos esses números e assim identificar produtores amazônicos. Resistir para mostrar nossa presença é um hábito entre artistas diversos, e finalmente ter uma estimativa de que somos um grande grupo é reconfortante e fortalecedor”, afirma a quadrinista e ilustradora Mandy Barros (@mandybarros.arte).
O projeto foi selecionado pelo Edital de Artes Visuais – Lei Aldir Blanc Pará 2020, e a coletânea vem sendo distribuída desde setembro em escolas, bibliotecas e centros comunitários para democratizar a leitura. “Até o momento, mais de 50 espaços, entre bibliotecas comunitárias, escolas públicas, centros comunitários e projetos sociais entre Belém e Ananindeua foram contemplados com exemplares gratuitos da publicação. Foram destinados a esse fim 150 exemplares”, diz Elton Galdino. “Na maioria das vezes fomos recebidos com um grande sorriso e uma conversa amigável. Houve apenas um caso de uma professora homofóbica que tentou fazer questionamentos mais baseados na intolerância dela do que qualquer outra coisa, mas ela foi rechaçada pelos próprios colegas de trabalho. Esse tipo de situação, embora esperado, é irrelevante em comparação com a grande maioria de projetos e ações que se sentem muito felizes com a oportunidade de trabalhar com narrativas mais próximas das pessoas que são atendidas nesses espaços”.
Mandy Barros também destaca a importância da representatividade na formação de novos públicos. “É uma proposta voltada para temas diversos e que terão repercussão em centros culturais, bibliotecas públicas, escolas da periferia. Sendo assim, o potencial educacional do quadrinho pode contribuir para uma geração futura de novos produtores e apreciadores da produção de quadrinhos paraenses, promovendo maior identificação cultural e consciência diante da diversidade”.
Inspirações variadas guiam as quadrinistas em Zagaia, como explica Gyselle Kolwalsk (@kolwalsk): “Muitas vezes chamam artistas negros sem querer pluralidade, ou pessoas que não estão falando de racismo. Querendo apenas chamar-nos para falar sobre militância, sendo que por trás desse caráter de luta tem um indivíduo, e são nossas diferenças que nos pluralizam. Os novos leitores têm que tomar consciência disso, para que sejam melhores e mais conscientes”. Na coletânea ela assina a HQ “Ennui”. “Eu quis abordar uma mulher que resolve sair de casa à procura de algo, algo que não é exatamente físico, mas sim um significado para a vida em si”.
Em A Desvalorizada Osga, Helô Rodrigues (@heloilustra_) combina crítica e humor. “A Osga é uma jovem adulta, mulher negra, entre seus 19-20 anos e ela tem superpoderes. Na história que se passa em Zagaia é ela mais uma vez pondo seu trabalho em prática e se metendo em roubadas”.
Já Fernanda Monteiro (@folha.por.folha) e Mandy Barros exploram memórias e questões pessoais nos quadrinhos. “’Ligação’ fala sobre momentos/dias difíceis e do quanto a minha família foi importante pra que eu passasse por isso. Nele eu falo diretamente da minha relação com a minha mãe, que mesmo morando longe continua muito forte”, conta Fernanda.
“Quando ouvi a palavra zagaia, que dá nome ao projeto, e entendi que se tratava de uma lança, imediatamente isto me guiou para uma memória de infância. Meu avô paterno é ribeirinho, pescador, e me apresentou o que era uma zagaia. Cheguei a fazer uma em minhas viagens ao Limão, interior de Parintins-AM. Há nessa palavra uma conexão ancestral, que não é distante de nossa realidade contemporânea. Sendo assim, traduzi em minha história a zagaia enquanto metáfora, para aquilo que provê o sustento e lhe ampara nas guerras, tal qual a lança”, diz Mandy.
Fernanda Monteiro fala sobre o papel dessa variedade de histórias na formação de novos leitores. “É importante para quebrar um pouco da ideia de que para ser chamado de quadrinho o material precisa ter um padrão específico de ilustração ou de narrativa”.
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Anne Ribeiro é jornalista, de Belém (PA). No perfil @pralerhq ela escreve sobre quadrinhos para debater política, questões de gênero e universo LGBT.
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