Prazer e sexo por mulheres autoras
Natália Sierpinski compartilha trecho de sua dissertação com resultados sobre a representação do prazer e do sexo produzido por mulheres autoras de HQs
Quer receber novidades sobre histórias em quadrinhos? Inscreva-se!
Natália Sierpinski compartilha trecho de sua dissertação com resultados sobre a representação do prazer e do sexo produzido por mulheres autoras de HQs
Minha dissertação de mestrado em comunicação recém defendida, pesquisou quais narrativas estão sendo produzidas por mulheres autoras de HQs no Brasil. Para chegar em uma quantidade possível de HQs para análise, foi feita uma seleção das HQs de autoria exclusiva feminina premiadas pelo Troféu HQMIX nos últimos dez anos, entre muitas escolhas metodológicas, cheguei em doze HQs para serem analisadas, com foco em compreender quais contranarrativas, ou seja, narrativas que se contrapõe a representação hegemônica, estavam presentes nessas produções, com foco em questões de gênero e sexualidade.
Um tema de contranarrativa muito presente nessas obras foi a representação do prazer feminino, que apareceu em cinco das doze HQs analisadas. Quando falamos de prazer feminino, identificamos narrativas que trazem a prática sexual em si, de mulheres com homens ou de mulheres com outras mulheres, ou o ato de masturbação feminina. O diferencial dessas representações, se compararmos a representação hegemônica do sexo feita majoritariamente por autores masculinos, é que não temos em nenhum momento o uso de Male Gaze, o importante é o prazer da personagem feminina e as ações e enquadramentos não visam agradar um olhar masculino de fora da história.
Esta perspectiva transparece tanto na narrativa quanto visualmente, na maneira como são construídos os corpos. Nas imagens acima, que são trechos da HQ “Gibi de Menininha”, observamos três elementos na narrativa visual que são comuns à representação do prazer feminino nas HQs dessa pesquisa. O primeiro elemento é a representação da mulher recebendo prazer, tendo no personagem masculino (para as narrativas heterossexuais) o sujeito ativo do ato sexual, subvertendo e invertendo a representação da mulher enquanto sujeito que oferece prazer para o homem apenas. Assim, observamos as personagens femininas recebendo sexo oral de personagens masculinos, em histórias de diferentes autoras. O sexo oral também apareceu representado em outras HQs da pesquisa, como “Histórias tristes e piadas ruins” de Laura Athayde.
O segundo elemento de narrativa visual que foi comum à representação do prazer feminino nas HQs da pesquisa, é a representação do prazer feminino a partir da feição do rosto da personagem feminina. As imagens abaixo são da coletânea “SPAM”, mas fazem parte de histórias diferentes e de autoras diferentes. Em ambas o prazer feminino é mostrado a partir do rosto das personagens. O terceiro e último elemento da narrativa visual que encontramos, enquanto ponto comum à maioria das representações das HQs, foram aos enquadramentos escolhidos para as cenas com sexo explícito ou masturbação feminina, que está presente em todos os exemplos destacados. Os enquadramentos trazem planos gerais ou planos médios quando mostram o corpo das personagens femininas, e nunca os enquadram de forma hipersexualizada.
Quando temos planos de close, eles focam no rosto da personagem feminina e não em partes do seu corpo, por exemplo. Assim, temos nudez sem hipersexualização com representações de personagens que sentem prazer em suas relações sexuais e exploram sua sexualidade com autonomia e sem tabus. Vemos também representações que misturam todos esses elementos e trazem elementos pontuais novos. Na imagem abaixo temo um trecho da HQ “Empoderadas” em que a protagonista Fabi, uma mulher com mais de 40 anos com uma carreira bem-sucedida e sem filhos, que nesta narrativa de super-herói descobre que pode voar e atravessar paredes durante uma relação sexual em que estava chegando ao orgasmo.
A descoberta dos poderes, é feita de forma cômica com um enquadramento que favorece a personagem sem a sexualizar. Vemos novamente o close no rosto como forma de representar o prazer, e nesse exemplo as onomatopeias usadas também reforçam o prazer da protagonista. Além disso é interessante destacar a sexualidade da personagem em si, em outros momentos da narrativa temos Fabi tendo relações com outros homens, construindo uma representação de uma mulher que está fora da idade colocada como ideal (nos moldes voltados para o prazer masculino) com uma sexualidade ativa naturalizada. Também nesta HQ temos a protagonista Li tendo sua primeira relação sexual da vida com sua namorada Paula.
A cena, representada acima, traz afeto e carinho entre ambas, mostra que as duas sentiram prazer e ficaram satisfeitas com a relação, e que o ato aconteceu em um momento que a Li se sentia à vontade e segura para dar este passo. Na HQ “Histórias tristes e piadas ruins” temos tiras que trazem casais nus se abraçando e se tocando com mensagens de afeto. Em todas as tiras a personagem feminina é protagonista e foco da história, e também o foco do prazer.
A HQ “Uma patada com carinho” vai mais longe, e de forma irônica e sarcástica, que é o tom de toda a HQ, traz comentários diretos e críticas bem-humoradas ao fato das relações sexuais serem majoritariamente focadas no prazer masculino, satirizando diversas situações corriqueiras presentes nos relacionamentos heterossexuais. Temos uma história curta que traz a protagonista Elefoa tentando construir uma relação afetiva com um boneco inflável masculino, que termina explodindo em sua cama. Em outra história, a protagonista aparece com crises de choro, alto desejo e buscando um parceiro sexual. Após o ato sexual, Elefoa é representada alegre e aliviada por ter seu desejo saciado. O desfecho cômico da narrativa relaciona suas variações de humor e alta libido com o seu período do ciclo menstrual, apresentando assim o desejo feminino relacionado ao seu corpo e ciclos naturais, de forma direta e sem tabus. Desconstrói a ideia de que as mulheres não possuem desejo sexual, ao mesmo tempo que fala naturalmente como o ciclo menstrual afeta diretamente a energia, humor e prazer feminino.
A HQ “Gibi de menininha” tem como sua temática “histórias de terror e putaria”, assim o sexo está presente na maioria das histórias, e quando não está, temos imagens de capa das histórias com cenas de sexo explícito. As mulheres demonstram prazer durante o ato sexual, em representações que fogem da ideia do prazer para os olhos masculinos. Como as histórias são do gênero terror, contudo, os finais são trágicos, com vampiros, monstros e maldições atentando algum personagem.
As imagens de capas das histórias são diretas, com mulheres com corpos que fogem do padrão normativo sempre em posição de poder, segurando brinquedos sexuais, se masturbando ou rodeadas por homens que estão ali para lhes dar satisfação. O prazer feminino nesta HQ é colocado em evidência. Há uma inversão dos quadros rotineiros, com muito mais nudez masculina do que feminina, sendo os homens colocados de forma sexualizada, representados à serviço do prazer feminino.
Na HQ “SPAM” temos o prazer feminino trabalhado em duas das cinco histórias. Em “Apimente sua noite” a protagonista feminina quer usar uma pomada nova para a relação sexual com o parceiro masculino, visando “apimentar” a relação e trazer novidades. A história, porém, termina de forma cômica, com o personagem masculino com dores e com uma sensação de queimação e ardência em seu pênis. A história representa a mulher de forma ativa na relação sexual, buscando o prazer, apesar dele não ter sido bem-sucedido.
Também em “SPAM” temos a história “Conheça o Vibrador” em que uma mulher com mais de 60 anos de idade usa um vibrador e chega ao orgasmo pela primeira vez na vida, morrendo no ato. Ao chegar ao céu tem toda uma discussão com seu falecido marido, que nunca a fez gozar. Como desfecho ela consegue voltar à terra perdendo todos os preconceitos que tinha com o vibrador e com a masturbação, explorando sua sexualidade e seu prazer, chegando a indicar o uso do vibrador para outras colegas e amigas.
Assim, além do prazer feminino ser colocado em primeiro plano nas representações de atos sexuais, sem estarem ligadas ao prazer masculino, as mulheres que estão sentindo esse prazer têm idades e corpos diversos. Fogem, portanto, do padrão que coloca apenas a mulher jovem e magra enquanto mulher com uma sexualidade relevante e/ou existente.
Imagem de capa: trecho de “SPAM” de autoria de Cynthia B
HQs descritas na matéria:
“Gibi de Menininha” coletânea feita por Germana Viana, Clarice França, Mari Santtos, Renata CB Lzz, Ana Recalde, Talessa Kuguimiya, Carol Pimentel, Roberta Cirne, Milena Azevedo, Kátia Schittine, Fabiana Signorini, Camila Suzuki e Camila Torrano
“Histórias tristes e piadas” ruins de Laura Athayde
“As Empoderadas” de Germana Viana
“SPAM” de Germana Viana, Cynthia B., Samanta Floor, Camila Torrano e Cátia Ana
“Uma patada com carinho” de Fabiane Langona
Natália Sierpinski é paulistana, educomunicadora e pesquisadora de histórias em quadrinhos, gênero, sexualidades e educação É coordenadora da programação do evento Butantã Gibi Con.
Siga: @n.sierpinski
Quer receber HQs inéditas em primeira mão?
Clique aqui e apoie a Mina de HQ!
Mestre em Ciências da Comunicação (PPGCOM-USP) com pesquisa sobre autoria de mulheres nas HQs no Brasil e Licenciada em Educomunicação (ECA-USP) com trabalho final sobre o uso das HQs para falar sobre gênero nas escolas. Pesquisa sobre gênero e histórias em quadrinhos desde 2014, já escreveu nos sites Garotas Nerds e Minas Nerds. É coordenadora da programação do premiado evento Butantã Gibi Con.