Parafusos: bipolaridade em HQ
Em “Parafusos: Mania, depressão, Michelângelo e eu”, Ellen Forney consegue retratar sua experiência sendo bipolar com muita sensibilidade e leveza
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Em “Parafusos: Mania, depressão, Michelângelo e eu”, Ellen Forney consegue retratar sua experiência sendo bipolar com muita sensibilidade e leveza
Parafusos: Mania, Depressão, Michelangelo e eu é uma excelente oportunidade para falarmos sobre saúde mental.
Setembro é amarelo para conscientização sobre suicídio. 10 de outubro é o dia da saúde mental. 30 de março é o dia da conscientização sobre transtorno bipolar. Todas essas datas têm o mesmo objetivo: estimular o compartilhamento de informações que gerem empatia e a diminuição do estigma em torno de transtornos psiquiátricos.
Estima-se que a incidência de suicídio entre pessoas portadoras do transtorno bipolar do humor seja 23 vezes mais alta do que no restante da população e essa é uma das primeiras informações trazidas por Ellen Forney na HQ Parafusos: Mania, depressão, Michelângelo e eu, publicada pela Martins Fontes em 2014. Ellen, que já foi ganhadora do prêmio Eisner, descreve sua trajetória em busca de estabilidade mental e emocional desde o momento de seu diagnóstico e, como a maioria dos bipolares, uma das suas primeiras reações ao receber a notícia foi a de procurar saber mais a respeito dessa condição. Ao fazer isso, descobre que muitos artistas famosos possivelmente eram bipolares, como Van Gogh e outros eram diagnosticados, como Robin Willians.
Já nas primeiras páginas ela cita o livro Uma Mente Inquieta, da psiquiatra bipolar Kay R. Jamison, considerado uma bíblia sobre o assunto e, a partir da sua própria experiência, Ellen mistura fatos com informações que ela vai obtendo no processo. Tudo isso por meio da exploração e domínio dos mais variados recursos narrativos e gráficos dos quadrinhos, o que torna a HQ uma verdadeira pérola para quem curte esse tipo de produção. Por exemplo, em pouco tempo o leitor consegue perceber se a autora está retratando uma fase maníaca ou depressiva apenas ao olhar as imagens nas páginas: o uso de requadros ou a ausência deles, o excesso de falas ou a velocidade que as coisas acontecem, cada página é uma aula sobre como pessoas como eu nos sentimos, como quando ela consegue captar com exatidão a sensação de ser arrastada para dentro dentro de um mar revolto em mania ou ao retratar uma crise depressiva, utilizando traços bem minimalistas.
Nesse sentido, Parafusos me possibilitou sensações diversas. Entre a familiaridade dos sintomas e a descoberta de outros tantos, foi maravilhoso perceber que não estou sozinha e que muitas pessoas no mundo entendem como me sinto. Esse sentimento de acolhimento é algo que nem sempre encontramos em uma sessão de terapia ou mesmo em uma consulta médica, infelizmente. Ao mesmo tempo, Ellen consegue ser tão honesta e didática, que através do seu relato, alguém que nunca conviveu com uma pessoa bipolar, vai conseguir entender nosso drama.
Quando ela foi diagnosticada não havia tanta informação a respeito do TAB como há hoje e o estigma era muito maior, ainda assim, Ellen teve acesso a especialistas que a ajudaram a lidar com as crises, algo muito distante da realidade da maioria dos brasileiros. Por ser um transtorno que provoca crises de euforia, o seu diagnóstico pode levar muitos anos, afinal, a maior parte das pessoas só procura o psiquiatra quando se encontram deprimidas e, estando eufóricas, muitas preferem continuar dessa forma. Bom, a verdade é que dificilmente alguém vai ao médico porque se sente feliz demais, né? O meu diagnóstico demorou uns 3 anos, por exemplo, isso há mais de 20 anos. Hoje, com o acesso à informação, imagino que o tempo para o diagnóstico tenha diminuído, mesmo assim, estamos muito longe de superar uma série de problemas, como a falta de profissionais especializados.
De qualquer forma, Ellen é muito eficiente em demonstrar que, embora o transtorno bipolar seja uma condição congênita, isto é, nascemos assim, as crises e sintomas podem variar bastante de pessoa para pessoa, pois em muitos casos, essas crises são desencadeadas por gatilhos e, nesse sentido, as pessoas possuem gatilhos diferentes. No entanto, há uma passagem em especial que me marcou bastante: quando ela é convidada a ir a uma comic con e tem medo de que a quantidade de estímulos no ambiente desencadeie uma crise eufórica e de fato, isso acontece. Os efeitos disso são catastróficos, por isso eu passei a ficar mais “esperta” quando tenho que ir a eventos.
Outras questões que ela consegue abordar muito bem são as relações interpessoais em cada fase e a libido, que em muitos casos, pode causar situações extremamente constrangedoras, mas Ellen consegue ser gentil com ela mesma e evita fazer julgamentos morais sobre seu comportamento nas fases maníacas.
Acima de tudo, Parafusos é uma HQ sensível e ao mesmo tempo, divertida. Apesar de se tratar de um tema sério, Ellen consegue abordá-lo de forma muito cativante. Vale dizer também que um quadrinho não deve funcionar como fonte de diagnóstico, ok? Se acaso você se identifica com a narrativa ou conhece alguém que passe por situações parecidas, o indicado é sempre procurar ajuda psiquiátrica e psicológica.
A Abrata, associação brasileira de transtornos afetivos promove encontros online e palestras para pacientes e familiares e uma das páginas mais didáticas sobre o assunto, é de uma psicóloga bipolar que acompanho, a Marcela. Informação é sempre a melhor arma no combate contra o estigma, por isso, se tem interesse pelo assunto, não deixe de buscar o maior número de informações possíveis, ok?
Daniela Marino é pesquisadora de quadrinhos e questões de gênero, graduada em letras, mestre em comunicação e doutoranda em ciência da informação.
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Dani Marino é especialista em histórias em quadrinhos e questões de gênero. Mestre em Comunicação e doutoranda em Ciência da Informação pela ECA/USP, também atua como professora de Literatura Inglesa. Ganhadora de 2 troféus HQMIX com o livro Mulheres e Quadrinhos, que organizou com Laluña Machado, já colaborou com diversos sites e canais especializados em cultura pop.