Em 2018, quando apresentei uma comunicação sobre quadrinhos eróticos e o male gaze nas jornadas de histórias em quadrinhos, um dos principais objetivos que tinha era o de desmistificar a ideia de que mulheres que criticam a forma como somos representadas nas HQs são necessariamente moralistas, conservadoras ou pudicas.

O ponto de partida da análise era a produção de quadrinhos eróticos feitos por mulheres e que apontavam para o fato de que qualquer tentativa de expressão sexual feminina, que não tenha como principal objetivo atender às expectativas masculinas, é vista como algo a ser combatido. (Pode ser lido aqui)

A Liv Stromqüist usa o exemplo do ensaio que a Kim Kardashian fez de si mesma e que acabou virando livro posteriormente. E é lógico que podemos também pensar sobre os problemas de uma cultura permeada pela pornografia, porque a indústria pornográfica, como qualquer outra indústria, parte de mecânicas de opressão que detona seus trabalhadores. Porém, que tem me chamado a atenção mais recentemente é que à medida que mais mulheres se sentem mais seguras e à vontade para produzir conteúdos sobre sexo, cresce também um movimento contrário que pode ser encontrado até mesmo em espaços ditos progressistas.

O mais recente alvo desse pensamento, aí sim bem conservador, é o vibrador. Levamos tanto tempo para que pudéssemos encontrar conteúdos que falassem sobre masturbação feminina que, quando finalmente temos esses conteúdos, aparecem páginas com discursos como “não use vibrador porque ele dessensibiliza o clitóris”.

A escritora Bruna Maia fez um fio no Twitter contrariando essa sandice.

Ainda assim, cartunistas como Carol Ito, Fabiane Langona, Anna Letícia Vallente (Atiradinhas), Débora Pimentel (Cara de Fofa) e várias outras (e outres), têm se destacado por abordarem vários temas considerados tabu em suas tirinhas de forma divertida.

E a importância de que tais temas sejam trazidos da forma como têm sido trazidos se deve à ideia de que os quadrinhos têm um potencial de alcance e naturalização de certos discursos que pode ser muito benéfico para nós, afinal, em uma sociedade onde o prazer feminino sempre esteve condicionado ao masculino, mostrar às pessoas que elas podem ser donas de seu próprio prazer e que o autoconhecimento é libertador é uma forma de contrariar um discurso hegemônico que visa, entre outras coisas, domesticar nossos corpos e nosso prazer. Especialmente no caso das tirinhas da Fabiane que são publicadas em um dos jornais impressos de maior circulação no país.

A Cecília Marins também fez uma investigação, em parceria com outras duas autoras, sobre o universo BDSM de São Paulo. Em sua HQ Amarras, a jornalista e quadrinista traz um olhar nada fetichista sobre pessoas que curtem explorar seus fetiches e o resultado é bem interessante, já que as pessoas retratadas na HQ são reais.

Nesse sentido, o que tanto os quadrinhos da Cecília quanto o das outras autoras mencionadas nos proporcionam é justamente que nossa curiosidade seja instigada, afinal, conhecimento é poder e aprender sobre as mais diversas formas de se obter prazer nos ajuda a julgar menos o prazer dos outros. Isso tudo para que a gente não se esqueça que o que acontece entre 4 paredes envolvendo adultos e consentimento, não deveria ser da conta de ninguém, nem mesmo sob o falso pretexto de preocupação com saúde como é o caso de quem busca regular a siririca alheia, não é mesmo?