Carol Ito faz HQ sobre depressão
A Graphic novel “Inteiro pesa mais que a metade” aborda depressão com empatia e bom-humor e reúne memórias da premiada jornalista e quadrinista
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A Graphic novel “Inteiro pesa mais que a metade” aborda depressão com empatia e bom-humor e reúne memórias da premiada jornalista e quadrinista
A jornalista e quadrinista Carol Ito mergulhou em anos de memórias atravessadas pela depressão e pela ansiedade para produzir “Inteiro pesa mais do que metade”, graphic novel de 80 páginas recém-lançada pela nVersos Editora. Neste trabalho autobiográfico em que tudo – do texto às cores – é pessoal, Carol experimentou uma criação muito introspectiva, mas terapêutica.
“Foi um processo difícil de entender o que eu passava, o que eu passo e transformar isso numa narrativa coerente me fez abrir umas Caixas de Pandora, de alguns assuntos, no sentido de mergulhar mesmo nessa condição e nos meus próprios sentimentos”, diz Carol, que em 2022 recebeu o Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos na categoria Arte, pela reportagem em quadrinhos “Três mulheres da Craco”, publicada na revista Piauí, e este ano fez história ao se tornar a primeira mulher a desenhar ao vivo no programa Roda Viva, na TV Cultura.
Ela conta que se apaixonou pela abordagem autobiográfica ao ler “Persépolis” (Marjane Satrapi), “O Epilético” (David B.) e as histórias de Alison Bechdel. “Então por eu ter essa referência acabou influenciando e também porque eu acho que o quadrinho pra mim é como uma ferramenta terapêutica. Eu faço quadrinho pra organizar minhas ideias, entender melhor o que eu tô sentindo e parece que quando eu desenho eu tô elaborando uma questão interna”.
Na nova HQ a autora lembra da importância das amigas para superar as dificuldades impostas pela depressão e pela ansiedade e revela que espera que o livro estimule a empatia. “Eu acho que a gente sozinho, com depressão e ansiedade, a gente tem muita dificuldade de encontrar uma melhora. Realmente, pra mim, estar sozinha, por mais que eu tenha vontade, não quero ver ninguém, mas ao mesmo tempo eu sei que quanto mais sozinha eu fico, mais os meus pensamentos acabam me engolindo. Então conversar e ter esse suporte, esse acolhimento, na verdade, é muito importante, e tanto da família quanto das amigas”.
Um dos grandes méritos de “Inteiro pesa mais do que metade” é expor o caráter neoliberal da positividade tóxica de uma maneira didática e bem-humorada. Carol Ito destaca a complexidade da depressão, que não é só biológica ou psicológica, para fazer uma crítica da sociedade em que vivemos. “A gente tem que olhar por esse todo e, de fato, viver no sistema neoliberal e trabalhar, sei lá, de 8h a 12h por dia normalmente adoece, é um sistema que adoece muito e que não discutir isso é não discutir o que é a depressão e por que ela é tão comum”.
“A gente vê que a indústria farmacêutica bomba vendendo remédio psiquiátrico, mas não quer dizer que o sofrimento tá diminuindo. As pessoas continuam sendo diagnosticadas com depressão e ansiedade e continuam em sofrimento por essa vida, essas cobranças, e agora além da cobrança por ser produtiva, a cobrança por ser positivo. Então é mais uma camada aí pra no fundo vender produto que vá salvar desses problemas. Ao mesmo tempo que cria problema, cria um produto que pode solucionar esse problema, em tese”, afirma. “Então é um looping que com esse livro eu queria que as pessoas se sentissem menos aprisionadas e menos sozinhas, de ter que enfrentar isso e ainda ter que ouvir que tem que ser good vibes. Não, não tem que ser good vibes, sabe? Quem pode ser good vibes? Só um herdeiro, talvez?”.
Carol cita na própria graphic novel o livro “A nova razão do mundo” (Pierre Dardot e Christian Laval) para lembrar que nossa subjetividade é moldada pelas exigências do capital: “É muito difícil você perceber e se contrariar, se opor a essa dinâmica, então realmente é uma grande estratégia do capitalismo, do neoliberalismo, de manter a produtividade da forma como a gente vê, que é uma lógica que não funciona, é uma lógica que vai provavelmente destruir o mundo e gerar uma série de danos e gerar ainda mais pessoas doentes”.
Graças aos feedbacks que vem recebendo desde que o livro começou a ser vendido, Carol Ito sente que ele cumpriu o papel que ela havia idealizado. “Recebi feedbacks de pais que deram de presente pro filho que tá passando por isso, ou a pessoa mesmo que tá passando por isso adquiriu o livro e falou que isso foi muito bom pra ela ver que ela não tá sozinha e que existem padrões de comportamento que ajudam até a identificar os gatilhos, os sintomas (da depressão e da ansiedade)”, diz. “Também tive feedback de pessoas que riram, de pessoas que acharam algumas partes engraçadas e ao mesmo tempo falando de um assunto tão dark, um assunto tão difícil, então eu tô bem feliz com os feedbacks. Acho que é um livro que serve, que é útil, no sentido de ajudar as pessoas a entenderem isso e como elas aplicam o acolhimento e as reflexões no dia a dia delas”.
Embora acredite que ainda há muito a ser debatido sobre depressão e ansiedade, Carol não pretende lançar outra obra sobre esses temas. “Eu vou lançar outros livros esse ano. Um é ‘Boy Dodói’, que é a coletânea com Helô D’Angelo e Bebel Abreu, que fala sobre machismo e relacionamentos com masculinidade tóxica, e ‘Siriricas Tristes’, que é meu livro pela Veneta, que vai sair provavelmente no segundo semestre, que é mais sobre sexualidade e política”.
“Inteiro pesa mais do que metade” pode ser encontrado no site da nVersos Editora, entre outros, e “Boy Dodói – Histórias ilustradas sobre masculinidade tóxica” entrará em campanha de financiamento coletivo pela plataforma Catarse (catarse.me/boydodoi) em 7 de julho.
Anne Ribeiro é jornalista, de Belém (PA). No perfil @pralerhq ela escreve sobre quadrinhos para debater política, questões de gênero e universo LGBT.
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