Resenha: Bezimena
A forte narrativa em quadrinhos sobre estupro da artista sérvia-canadense Nina Bunjevac e a relação com as mentes criminosas na série “Ratched”, da Netflix
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A forte narrativa em quadrinhos sobre estupro da artista sérvia-canadense Nina Bunjevac e a relação com as mentes criminosas na série “Ratched”, da Netflix
O que passa na cabeça de uma pessoa criminosa?
É mais ou menos sobre isso a história de Bezimena (Zarabatana, 2020), conto noir em quadrinhos para adultos da canadense (de família sérvia) Nina Bunjevac, que, a partir da história de uma sacerdotisa, entra na mente de Benny, um cara que tem uma relação complicada com o sexo desde criança e, já adulto, comete crimes sexuais. E aí mostra desejos profundos, falta de controle, abusos a corpos femininos. Estamos na perspectiva do estuprador.
É uma versão modernizada do mito de Ártemis e Sipriotes. Ártemis é a deusa virgem das caçadas, da lua e do nascimento, filha de Zeus. A palavra ‘Bezimena’, aliás, vem do termo usado na maioria das línguas eslavas para denominar “aquela que não tem nome”. São 224 páginas dedicadas a “todas as vítimas, anônimas e esquecidas, de violência sexual”. No posfácio entendemos que a HQ também tem relação com a história da autora.
Apesar do tema, esse é um quadrinho que dá para ler rápido, por não ter muito texto nem requadros. Um desperdício (ler com pressa), pois são muitos os detalhes no belíssimo desenho em pontilhismo nessa história complexa, densa. Te dou a dica: vá devagar, leia com calma. Se precisar, leia de novo depois de um tempo.
Te dou a dica: vá devagar, leia com calma. Se precisar, leia de novo depois de um tempo.
Eu mesma reli Bezimena há pouco tempo, porque nos primeiros dias do ano fiquei de cama (sem saber se foi virose, covid, intoxicação alimentar ou noia da minha cabeça) e maratonei Ratched, na Netflix, série que estava há tempos na Minha Lista. Essa história é baseada em uma personagem do livro que inspirou o filme “Um estranho no ninho”, clássico dos anos 1970 com Jack Nicholson, e fala sobre uma enfermeira que vai trabalhar em um hospital psiquiátrico que promove praticas terríveis em nome da cura, onde está preso um assassino (nada de spoiler aqui, relaxa!). A série é ótima, fotografia incrível, figurino lindo, Sarah Paulson diva, e toca em temas inesperados naquele contexto, como relacionamentos homoafetivos. Porém, o mais interessante é a forma como mostra a humanidade de todas as pessoas. Ninguém é só bom ou só mal, a história de cada um e o contexto em que vivem acaba os levando a ser como são. Vai ficando difícil fazer julgamentos morais sem um mínimo de compaixão. Tá, talvez até o último episódio, porque tudo ficou aberto de um jeito estranho esperando uma segunda temporada.
A forma como a série também mostra a história de um criminoso me fez ter vontade de ler o quadrinho de Nina Bunjevac de novo e escrever sobre ele. Afinal, a gente fala tanto em fazer terapia, em autoconhecimento. Falamos sobre masculinidade tóxica, os efeitos do machismo e do patriarcado na vida de todas as pessoas, inclusive dos homens. Falamos de empatia e de compaixão. Mas essas são reflexões que só valem para nós mesmas ou para quem consideramos “pessoas de bem”? As duas obras, de certa forma, mostram as raízes que levam esses homens a cometerem seus crimes – portador de doença mental ou não. Empatia e compaixão não significam concordar com qualquer coisa, mas ter um entendimento mais concreto dos atos de alguém, dos motivos e dos seus efeitos. Pensando nas problemáticas do encarceramento em massa e das penas de morte, será que oportunidades de autoconhecimento e desenvolvimento humano não valeria também para quem comete crimes? Isso inclusive já acontece nos trabalhos socioeducativos e de ressocialização para homens agressores e acusados de violência de gênero. Sempre me perguntei o que acontece com uma pessoa depois que ela sai da cadeia. Foi julgada, condenada, recebeu uma pena, cumpriu uma pena e esta em liberdade. E aí? Alguma coisa mudou? Talvez, entender o que passa na cabeça de uma pessoa criminosa possa ajudar a mudar o que vem depois da penalização. Inclusive, aproveito para indicar outro livro aqui sobre isso: Tudo é rio, de Carla Madeira.
Enfim, não tenho respostas para essas questões e essas obras me abriram mais um monte de perguntas – e isso é sempre muito bom!
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Gabriela Borges é jornalista, mestra em antropologia e curadora de conteúdo. Em 2015, criou a Mina de HQ, plataforma que se tornou referência para quem quer ler histórias em quadrinhos mais diversas, conhecer artistas mulheres e trans (homens, não bináries etc), e também criar estratégias de comunicação a partir das HQs. Mídia independente e feminista, é um dos mais relevantes canais sobre HQs e gênero no Brasil. Autora do livro Encuentre su Clítoris, pela Marca de Fantasia, e editora e co-organizadora da antologia Quadrinhos Queer, pela Skript.
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