Um pedido para o Dia da Mulher
Carta aberta aos colegas homens cis que produzem conteúdo sobre quadrinhos no Brasil (quadrinistas e leitores também)
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Carta aberta aos colegas homens cis que produzem conteúdo sobre quadrinhos no Brasil (quadrinistas e leitores também)
Caros colegas homens cis que produzem conteúdo sobre quadrinhos no Brasil (quadrinistas e leitores também), nesse Dia Internacional da Mulher, escrevi esse texto para vocês:
Não é sempre que um grande jornal dá destaque para os nossos quadrinhos. Quando isso acontece, a gente corre para ler e torce para que seja uma matéria que dê força ao mercado e a quem produz de maneira independente. Por isso, imagino que vocês tenham lido a matéria de Diogo Bercito na Folha de S.Paulo dia desses.
O que me chama atenção é ninguém ter comentado o fato dessa matéria citar e entrevistar apenas homens (os mesmos especialistas de sempre, inclusive). Todos cisgênero, claro.
O jornalista até cita que “os gibis vêm tratando de temas sociais como racismo, transfobia e desigualdade”, mas não mostra como isso acontece na prática nem entrevista ninguém que de fato represente essa diversidade – apesar de citar artistas negros (homens, claro).
Parece que esse “novo momento” dos quadrinhos brasileiros não inclui absolutamente nenhuma mulher (muito menos pessoas trans), ignorando a relevância, o alcance e a qualidade do trabalho de diversas artistas de todos os cantos do país.
Fico me perguntando o que atualmente significa relevância. Ainda é publicar por uma grande editora?
Vi um ou outro criticar, com razão, a escolha ultrapassada para o título – essa coisa de ainda ter que mostrar que existe quadrinhos brasileiros além da Turma da Mônica, ignorando até mesmo fato de que as coisas se cruzam, já que dentro da própria editora MSP existe um selo que produz histórias longas aproveitando toda a qualidade do trabalho de quem faz quadrinhos autorais e independentes, o que deu origem até aos filmes de sucesso com os personagens da Turma! Mas nem vou me alongar sobre isso.
Meu ponto aqui é: se nós, mulheres (e pessoas negras, trans, não bináries etc), não levantarmos a voz para apontar a forma escancarada como somos ignoradas e marginalizadas nessa cena, dificilmente alguém faz ou fala alguma coisa.
Eu não tava afim de falar sobre essa matéria da Folha. Não tava disposta dessa vez. Aí vi que a matéria online foi pra capa do caderno de cultura. E depois vi o tuíte da pesquisadora Dani Marino, uma das únicas falando sobre isso (aliás, ela é umas das pessoas que, como eu, estão sempre comprando esse tipo de briga e depois sendo chamadas de nervosinhas).
Mas acordei nesse dia 8 de Março um pouco mais disposta e estimulada a problematizar.
Mas esse papel questionador não deveria ser só nosso, não. Vocês deveriam agir INTENCIONALMENTE. Senão, a balança nunca vai estar equilibrada. Vamos, vocês têm o poder da comunicação e da influência nas mãos.
Sim, temos aliados e vocês são importantes. Mas, sinceramente, ainda é pouco. Se vocês desejam de verdade que as coisas mudem, que o mercado de brasileiro deixe de ser esse Clube do Bolinha sem representatividade, é preciso mexer nas estruturas, usar os espaços de poder que vocês ocupam, abrir mão de privilégios, se negar a participar da manutenção desse sistema.
Comecem escolhendo ler quadrinhos mais diversos. Conversando e abrindo espaço para pessoas que estão fora da bolha de vocês. Se posicionando, mesmo quando parecer “bobagem”. Um post, um vídeo, um texto. Escutem as queixas. E apenas façam.
Eu não poderia pedir ou dizer nada de diferente nesse Dia Internacional da Mulher.
Gabriela Borges é jornalista, mestra em antropologia e curadora de conteúdo. Em 2015, criou a Mina de HQ, plataforma que se tornou referência para quem quer ler histórias em quadrinhos mais diversas, conhecer artistas mulheres e trans (homens, não bináries etc), e também criar estratégias de comunicação a partir das HQs. Mídia independente e feminista, é um dos mais relevantes canais sobre HQs e gênero no Brasil. Autora do livro Encuentre su Clítoris, pela Marca de Fantasia, e editora e co-organizadora da antologia Quadrinhos Queer, pela Skript.
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