3 HQs sobre tudo
Tem muita mulher fazendo quadrinho sobre absolutamente tudo! Confira alguns deles
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Tem muita mulher fazendo quadrinho sobre absolutamente tudo! Confira alguns deles
Tem muita mulher fazendo quadrinho sobre absolutamente tudo! Confira alguns!
Sempre comento nos eventos o quanto uma fala de um jurado de prêmio literário para uma quadrinista me marcou. Ele disse que mulheres só fazem quadrinhos sobre questões psicológicas, como se isso fosse um demérito. No entanto, já sabemos que isso nem é verdade.
A quadrinista Carol Ito, em sua dissertação de mestrado, pesquisou a produção de quadrinhos digitais produzidos por mulheres e no dia de sua defesa, ouviu de um dos avaliadores da banca que mulheres teriam mais alcance se tratassem de assuntos “mais universais”, sendo que sua conclusão da pesquisa foi justamente que não havia uma maior recorrência de certos temas comparados com outros.
Claro que existe uma tendência de termos mais conhecimento de obras biográficas ou autobiográficas ou quadrinhos que abordam sim questões cotidianas e de relações interpessoais, mas limitar uma pluralidade de produções a um único estilo só contribui para a constante invisibilização que as mulheres sofrem no meio, mais ainda se elas forem trans, por exemplo. Além do mais, já foi superada a ideia do que seria uma narrativa universal quando o universal se referiu (e ainda se refere) a um grupo muito, muito limitado de pessoas que é o “universo” composto apenas de homens cis e supostamente héteros.
E aqui na Mina já falamos sobre a importância de possuirmos um repertório diverso, por isso, compartilho aqui minhas impressões sobre 3 HQs que li recentemente e que não poderiam estar mais distantes dos apontamentos feitos pelos homens acima.
Coletânea que reúne 3 histórias bem curtinhas, mas com uma densidade tão grande que tenho certeza elas irão me acompanhar por muito tempo. Sabe aquelas HQs que você se lembra em diversas situações?
Inspirada no Realismo Fantástico, que é uma corrente artística observada em diversas expressões e que mistura elementos reais com sonhos, fantasia e surrealismo, cada uma das 3 histórias é independente, mas todas compartilham uma característica em comum que é a reflexão sobre até que ponto nós nos anulamos para caber nas expectativas alheias. Saber disso é importante porque certamente influencia como cada pessoa interpreta os quadrinhos, pois, por possuírem os elementos fantásticos como uma moça que se transforma em um presente ou uma princesa que só existe pela metade, desvendar os significados contidos ali é um exercício muito interessante.
No entanto, por possibilitar todo tipo de interpretação, não há uma única leitura correta. Há sim a intenção da autora, mas chegar a ela não deve ser o objetivo da experiência, afinal, cada um possui repertório prévio e vivências que podem ou não se relacionar com as situações expostas ali.
Pode ser lida gratuitamente aqui:
https://www.instagram.com/veronica.berta/guide/princesa-de-areia/17998327912503454/
Com alguns elementos em comum com outras narrativas sobre guerras contadas por mulheres, O melhor que podíamos fazer também traz alguns recortes sobre como as guerras afetam as relações familiares por várias gerações. Nesse caso, aprendemos um pouco mais sobre o Vietnã, que normalmente conhecemos por meio da versão de estadunidenses.
É muito impactante conhecer um pouco mais sobre a história de um povo sobre o qual sabemos tão pouco, mas que, ao ser acometido por mazelas como a guerra e suas implicações, nos aproximam demais como seres humanos, afinal, alguns sentimentos são de fato “universais”.
Thi Bui analisa sua condição de imigrante nos EUA por meio de uma autobiografia extremamente rica e bem sensível, refletindo sobre seus pais e o que eles passaram para chegar em um novo país com filhos pequenos após deixaram para trás tudo que tinham. É tocante pensar que a mãe de Thi tinha uma condição de vida relativamente boa antes da guerra e que isso lhe foi tirado de forma abrupta, ao mesmo tempo, é angustiante acompanhar a infância do pai da autora, que enfrentou fome, desamparo e outras adversidades.
Atravessar um trecho do oceano, grávida, com filhos pequenos, fugida de um regime violento contando apenas com a esperança de poder oferecer à sua família um futuro melhor é algo que ninguém deveria passar, mas graças ao campo de refugiados onde conseguem alguma ajuda, é possível foi possível se estabelecerem até que pudessem fazer o melhor, que era se mudar para um novo país. Nesse trecho, é impossível não associar com a HQ da Aimeé de Jongh sobre o campo de refugiados na Europa e que nos lembra que essa crise humanitária já se estende por muitas décadas.
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E por falar na Aimeé, que grata surpresa ler Dias de Areia. Que HQ bonita, apesar de ser bem triste. E não é triste porque a narrativa nos deixa triste, mas porque os fatos citados na HQ são verídicos e eles sim, são lastimáveis.
Ainda que os personagens de Dias de Areia sejam fictícios, os eventos envolvem uma região e um período dos EUA que foram fortemente afetados pela crise econômica de 1929 e pela seca extrema que se abateu na região central do país conhecida como Dusty Bowl (cumbuca empoeirada numa tradução livre). Essa região recebeu uma quantidade enorme de fazendeiros no início do século XX que araram toda a vegetação local para transformá-la em pasto. O resultado disso foi que com as secas e a falta de conhecimento sobre clima, o lugar virou um verdadeiro deserto com tempestades de areia constantes que comprometiam não só as construções, mas toda a vida que houvesse por lá.
Por isso, uma agência criada pelo governo envia um fotógrafo a Dusty Bowl para que ele registre as consequências dessas tempestades na vida das pessoas que ali vivem, porém, a experiência marcante que ele tem ao passar algumas semanas no lugar, não só o transforma significativamente, como nos afeta também: é impossível não associar o que aconteceu em Dusty Bowl com as constantes queimadas e desmatamentos que ocorrem na floresta amazônica e no nosso pantanal, que também geraram tempestades de areia que afetaram regiões localizadas a muitos quilômetros de distância.
Além do mais, a habilidade que a Aimeé tem em desenhar e colorir as mais variadas situações é impressionante e nos presentei com imagens belíssimas.
Daniela Marino é pesquisadora de quadrinhos e questões de gênero, graduada em letras, mestre em comunicação e doutoranda em ciência da informação.
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Dani Marino é especialista em histórias em quadrinhos e questões de gênero. Mestre em Comunicação e doutoranda em Ciência da Informação pela ECA/USP, também atua como professora de Literatura Inglesa. Ganhadora de 2 troféus HQMIX com o livro Mulheres e Quadrinhos, que organizou com Laluña Machado, já colaborou com diversos sites e canais especializados em cultura pop.