Resenha: Alho-Poró
Dani Marino escreve sobre o quadrinho de Bianca Pinheiro, publicado pela editora Conrad
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Dani Marino escreve sobre o quadrinho de Bianca Pinheiro, publicado pela editora Conrad
Conheci a Bianca Pinheiro antes de ter lido uma HQ sua. Foi em um evento das Lady’s Comics, quando participou de uma mesa sobre quadrinhos de horror. Na época, ela contou sobre o processo criativo da HQ Dora e de cara eu tive certeza que se há algo que não se pode dizer da produção da Bianca é que ela é previsível, tanto como não acho que ela também seja.
Por que estou dizendo isso? Bom, existe uma expectativa sobre as quadrinistas para que se encaixem em determinados perfis para que possam ser publicadas. Hoje em dia talvez um pouco menos, mas não faz muito tempo que um jurado de um importante prêmio literário comentou com uma colega minha que mulheres só faziam quadrinhos sobre questões psicológicas ou sobre sentimentos. Talvez essa seja uma expectativa que determinou bastante a produção feminina ao longo de várias décadas, mas de uns tempos para cá, principalmente desde o advento das redes sociais e sites de financiamento coletivo, isso tem mudado. Ao menos essa foi uma das conclusões da quadrinista e jornalista Carol Ito em sua dissertação de mestrado.
Toda essa introdução para destacar que a produção da Bianca está longe de ser monótona. Ela publica uma HQ sobre uma assassina e depois nos presenteia com séries como Bear, que é uma das produções de HQs nacionais mais incríveis de todos os tempos. Ou seja, versatilidade é o sobrenome dela. Essa versatilidade pode ser observada mais uma vez na HQ Alho-Poró, que já havia sido publicada de maneira independente e mais recentemente foi lançada pela Conrad.
Para quem não costuma frequentar os eventos de quadrinhos, talvez não saiba que desde o seu lançamento sempre houve uma espécie de pacto entre leitores, editores e quadrinistas sobre falar de Alho-Poró sem falar de Alho-Poró. Eu sempre soube que era um desses quadrinhos que todo mundo que diz curtir HQs tem que ler, mas ninguém me dizia por quê. Todos repetiam: “apenas leia!”. Finalmente li!
Aqui eu preciso abrir um parêntese: quando a Graphic MSP do Franjinha foi lançada, o editor Sidney Gusman pacientemente olhava para os leitores e dizia: “NÃO FOLHEIE A HQ POR NADA ANTES DE LER”. O aviso deveria vir na capa, pois o auto spoiler estragaria a experiência. Com Alho-Poró acontece a mesma coisa. Se você souber de antemão do que se trata, a história perde o impacto. É genial.
Bianca demonstra, mais uma vez, como ela domina a narrativa dos quadrinhos e que grande contadora de história ela é. A forma como ela constrói a expectativa sobre os acontecimentos que giram em torno de uma receita de quiche de alho-poró me remeteu à HQ Uma morte Horrível, da Penélope Bagieu (opa, não temos resenha dela aqui, também vou corrigir isso): temos um começo despretensioso que parece mesmo girar em torno dos ingredientes necessários para a produção de uma receita e vemos uma certa tensão crescer diante da dificuldade das protagonistas em encontrar alguns dos itens. Essa tensão escala e gera no leitor uma curiosidade enorme quando uma delas resolve compartilhar alguns eventos ocorridos na época da escola e que por si só já são muito estranhos, mas nada ali me preparou para o que viria e fiquei positivamente impactada.
Encontrar o tom correto, instigar a curiosidade do leitor e prendê-lo a ponto de ele não conseguir largar a HQ até terminar a história não são coisas fáceis de se fazer, principalmente quando não se tem muita familiaridade com os elementos que compõem um quadrinho. Nesse sentido, Bianca não subestima seu leitor em nenhum momento e demonstra que se ainda existem caixinhas onde deveríamos estar inseridas, ela não está muito interessada em caber. Acho muito importante pontuar tudo isso porque uma das coisas que tem me chamado atenção em muitas produções nacionais recentes é uma tendência ao didatismo excessivo, muito em função do desejo dos autores em conseguir participar dos catálogos do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) ou de outras formas de garantir maior distribuição de seus trabalhos na ausência de programas de fomento à cultura mais robustos.
No entanto, essa tendência, se for mantida a longo prazo, pode acabar empobrecendo nossa produção, uma vez que se pauta em fórmulas prontas e bem previsíveis de narrativas e que pouco desafiam os leitores. Por isso, é fundamental que tenhamos obras que desafiem certos estereótipos e expectativas como acontece em Alho-Poró, que poderia ser apenas uma HQ sobre como uma receita de quiche pode render muita história, mas que consegue ir além de qualquer obviedade.
Então, fale sobre essa HQ, mas não fale sobre ela… Apenas leia!
Daniela Marino é pesquisadora de quadrinhos e questões de gênero, graduada em letras, mestre em comunicação e doutoranda em ciência da informação.
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Dani Marino é especialista em histórias em quadrinhos e questões de gênero. Mestre em Comunicação e doutoranda em Ciência da Informação pela ECA/USP, também atua como professora de Literatura Inglesa. Ganhadora de 2 troféus HQMIX com o livro Mulheres e Quadrinhos, que organizou com Laluña Machado, já colaborou com diversos sites e canais especializados em cultura pop.