Resenha: Balões de Pensamento
Gabriela Borges, fundadora e editora-chefe da Mina de HQ, escreve sobre o livro de Érico Assis, crítico e tradutor de quadrinhos, e pergunta: onde estão as mulheres?
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Gabriela Borges, fundadora e editora-chefe da Mina de HQ, escreve sobre o livro de Érico Assis, crítico e tradutor de quadrinhos, e pergunta: onde estão as mulheres?
Érico Assis, um dos mais importantes críticos e tradutores de quadrinhos do Brasil, me ajudou a entender que o que faço na Mina de HQ não é necessariamente crítica de quadrinhos, mas sim curadoria crítica e jornalismo. Não necessariamente crítica a obras e artistas, mas às nossas escolhas engessadas, às bolhas que precisamos furar, aos vícios do mercado, aos padrões normativos, ao machismo, elitismo e falta de diversidade ainda presentes na cena brasileira, à forma como produzimos conteúdo, e por aí vai.
Esse papo todo surgiu na conversa que mediei sobre crítica de quadrinhos entre Érico, Maria Clara Carneiro e Alexandre Linck a convite do Itaú Cultural, parte da programação da 6ª Banca de Quadrinistas.
Sempre busquei partir do pensamento crítico, mas essas definições são confusas quando fazemos um trabalho independente. Então, sou sempre muito grata a quem reconhece meu trabalho e me ajuda a organizar essas ideias com palavras de apoio, ainda mais quem eu admiro.
Enfim, nunca me considerei crítica, mas tenho tido vontade de escrever mais, publicar vídeos e texto mais reflexivos. Vamos ver o que vem.
E aí peguei para ler Balões de Pensamento, livro ótimo, gostoso de ler e inspirador que reúne as colunas de Érico Assis no blog da Companhia das Letras, no começo dos anos 2010. E fui escrevendo esse texto aqui (uma crítica, quem diria) ao longo da leitura – meu processo criativo é assim, não consigo ler tudo para depois escrever, durante a própria leitura tenho mil ideias e preciso parar para fazer anotações. Meio caótico, mas é assim que sai.
Num final de semana, passei umas boas horas no sofá lendo, fazendo anotações, dando risada e soltando uns “ownnnn” – aconteceu nas colunas sobre Laerte (grande quadrinista brasileira), Françoise Mouly (editora franco-americana da Raw Books e da Toon Books), Lilian Mitsunaga (rainha do letramento brasileiro) e Marjane Satrapi (autora de Persépolis). E balancei a cabeça afirmativamente quando vi as HQs de Lu Cafaggi e Cynthia B. numa coluna sobre a cena independente, Samanta Flôor e Ing Lee ilustrando alguns textos, e as citações sobre Alison Bechdel (autora de Fun Home). Minha esposa, que estava no sofá ao meu lado, ficou curiosa e, para explicar minhas reações, só consegui dizer “esse cara escreve muito bem”. Até parei para tuitar isso.
Em 2010, quando a gente ainda estava começando a usar Facebook e nem existia Instagram, Érico já pensava sobre a leitura digital de quadrinhos e os melhores dispositivos para isso – pauta super atual, que levei para a segunda edição da Revista Mina de HQ, em 2021! Dez ano atrás, ele fez uma reflexão (que fecha o livro) sobre a importância da categoria de quadrinhos no Prêmio Jabuti, que se mostra atual mais uma vez quando a lista de indicados desse ano tem apenas homens.
Para quem gosta de ler SOBRE histórias em quadrinhos, recomendo demais os textos do Érico e esse livro, em especial. O cara sabe muito, ensina e explica com humor e ironia, sem ser pedante. Terminei com uma lista boa de outras referências para ler.
Tem, como eu já citei acima o que me emocionou, mas é pouco. Em alguns textos Érico cita o questionamento sobre a falta de autoras no mercado. Mas é realmente pouco. A maioria dos textos é sobre gibi de super-herói, importantes “gréfic nóvels” (quase todas feitas por homens) e autores renomados. Percebi, inclusive, que li muito pouco de Chris Ware…
Pensando na época da publicação das colunas, essa falta até é compreensível (jamais vou concordar, mas entendo). E meu texto não é uma crítica ao autor em si, é mais uma chamada de atenção.
Muita coisa poderia ter sido dita e me interessa pensar por que isso não aconteceu. Érico poderia, por exemplo, ter falado de como Maitena estava ganhando o mundo nos anos 2000 e abriu portas para Liniers na Argentina (autor citado no livro). Ou sobre o movimento de mulheres que estava acontecendo no Brasil: Cris Peter sendo indicada ao prêmio Eisner em 2012, Petra Leão despontando como roteirista, os trabalhos autorais que Germana Viana começava a publicar, a importância do Zine XXX, que saiu em 2013 e mudou tudo na cena independente daqui ao dar destaque e visibilidade a quadrinistas que já publicavam na internet, como Lovelove6, Laura Athayde, Aline Lemos e Sirlanney. Poderia ter falado do saudoso Lady’s Comics, projeto inovador que durou 8 anos (criado em 2010) e fez um registro histórico importantíssimo sobre as quadrinistas brasileiras. Aliás, o livro poderia ter incluído Ciça Pinto e Crau da Ilha em citações sobre quadrinistas brasileiros “das antigas”. E, obviamente, poderia ter falado da trajetória de Claire Bretécher, Patrícia Breccia e Trina Robbins. Trina Robbins, Érico!!! E, ao lado de Marjane Satrapi, ter reconhecido um pouco mais a relevância das tiras de Alison Bechdel em Dykes to Watch Out For, antes de Fun Home. Nem mesmo na coluna “Quase lá”, de 18/10/2010, foi possível imaginar um mundo em que as quadrinistas mulheres fossem exaltadas, justiça sendo feita.
O livro traz uma seleção de colunas publicadas do começo da década passada e Balões de Pensamento foi lançado em 2020 pela Balão Editorial, trazendo notas de rodapé com alguns comentários atuais. Tenho certeza de que Érico conhece todos esses nomes e histórias que citei (talvez até mais do que eu, que só comecei a estudar sobre quadrinhos em 2010 e a trabalhar oficialmente com isso alguns anos depois) e deve ter seus motivos para não ter falado desses nomes e histórias (ou ter escolhido para o livro colunas que os citam). Ao mesmo tempo em que acredito que resgatar esses exemplos que listei é uma forma de usar o meu espaço aqui na Mina de HQ para mostrar a quem me lê como as mulheres sempre fizeram (e leram) quadrinhos, mas foram e seguem sendo invisibilizadas – pessoas transmasculinas e não bináries, então, nem se fala.
Seria impossível para mim ler esse ótimo livro e não sentir essas faltas, fazer essa crítica. Espero um dia sentar num bar com o Érico e ficar horas trocando ideia sobre gibizinhos. Pós-evento de quadrinhos, então… ah, que sonho!
Gabriela Borges é jornalista, mestra em antropologia e curadora de conteúdo. Em 2015, criou a Mina de HQ, plataforma que se tornou referência para quem quer ler histórias em quadrinhos mais diversas, conhecer artistas mulheres, transmasculinos e não bináries, e também criar estratégias de comunicação a partir das HQs. Mídia independente e feminista, é um dos mais relevantes canais sobre HQs e gênero no Brasil. Autora do livro Encuentre su Clítoris, pela Marca de Fantasia, e editora e co-organizadora da antologia Quadrinhos Queer, pela Skript.
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